US 427 - Mergulho Fatal (Relato de Acidente do Jetsite)

Relato de Acidente Aéreo do Jetsite

O dia 8 de setembro de 1994 marcou a USAir como o seu pior momento. Nessa data, o voo 427, operado pelo 737-300 de prefixo N513AU, caiu minutos antes do pouso em Pittsburgh, Pennsylvania. Aquele fim de tarde encerrava um claro e lindo dia de verão. A temperatura era amena. A visibilidade era ilimitada e os ventos sopravam calmamente. A tripulação técnica estava relaxada, a atmosfera a bordo era de total calma. Ouve-se até, em determinado momento na gravação da caixa-preta, o comandante bocejar. Um voo que seria pura rotina, até que subitamente, tudo mudou.




Acidente com o US 427 da USAir

Vamos entrar a bordo da cabine de comando do Boeing no exato instante em que faltam dezoito minutos para o fim do voo 427. O primeiro-oficial está pilotando o Boeing 737, o comandante está ajudando na operação e cuidando do contato com o solo via rádio.

Cap: comandante
Cap-RDO: Transmissão de rádio do comandante ao solo.
Cap-PA: Transmissão do comandante aos passageiros e comissários.
F/O: primeiro-oficial
F/A: comissária
APP: Centro de aproximação de Pittsburgh

F/A: Vocês querem beber alguma coisa?
Cap: Ah, sim, eu poderia beber alguma coisa que ainda esteja aberta. Ou uma água ou um suco.
F/O: Ah, eu divido com ele o que tiver sim. Eu bebo o mesmo que ele.
F/A: Querem que eu prepare meu coquetel frutado especial?
Cap: Quão frutado ele é?
F/A: Por que você não apenas experimenta?
F/O: Ok, eu serei a cobaia.

A porta se fecha enquanto a comissária volta para a galley para preparar seu coquetel. O vôo 427 é instruído a reduzir sua velocidade para 210 nós e manter 10.000 pés de altitude. Em seguida, o vôo é instruído a contactar a freqüência de aproximação de Pittsburgh em 121.25.

Cap: Ele disse 210?
F/O: 210? Eu entendi 250.
Cap: Acho que me enganei então.
APP: USAir 427, curva à esquerda, proa 100.
Cap-RDO: Curva a esquerda proa 100, USAir 427.

A porta se abre: é a comissária que retorna com seu coquetel.

F/A: Aqui está.
Cap: Ok.
F/O: Ah, ótimo, obrigado, obrigado.
F/A: Eu não provei, não sei se ficou bom ou não.
Cap: Mmm, está ótimo.
F/O: Está mesmo ótimo.
F/A: Então está ótimo.
F/O: É diferente. E ficaria ainda melhor se você colocasse um pouquinho de rum nele.
F/A: Com certeza.

APP: USAir 427, proa 100, vetoração para ILS da pista 28 direita, velocidade 210.
F/O: Qual a velocidade?
Cap-RDO: Ok, estamos reduzindo para 210, proa 160, descendo para 10.000 pés, USAir 427.
Cap: Que pista ele disse?
F/O: 28 Direita.

Cap: (dirigindo-se à comissária) - Muito bom seu coquetel. Vai grapefruit nele?
F/A: Não.
F/O: Framboesa?
F/A: Você adivinhou pela cor.
Cap: E o que mais?
F/O: Ahn, Sprite?
F/A: Diet Sprite.
F/O: Ah!
F/O: Ficaria melhor se você fizesse com Sprite normal.
Cap: Sim. E leva mais alguma coisa?
F/A: Mais uma.
F/O: Suco de laranja?
F/A: Adivinhou!
F/O: Ah!
F/A: Suco de framboesa, Sprite e suco de laranja.
F/O: Muito bom.
F/A: É diferente.
Cap: Eu sempre misturo suco de laranja com framboesa. Eu gosto.
F/A: Ok, de volta ao trabalho.

A comissária sai da cabine de comando. A porta se fecha e os pilotos retomam a concentração na operação da aeronave.

F/O: Eu acho que vamos pousar pelo lado direito.
APP: USAir 427, desça e mantenha 6.000 pés.
Cap-RDO: Descendo e mantendo 6 mil, USAir 427.
F/O: Minha mulher iria gostar muito desse coquetel.
Cap: Suco de framboesa, Sprite e suco de laranja.
F/O: Ok, vamos iniciar o check?

Os dois pilotos iniciam os checks pré-pouso. O controle solicita uma curva à esquerda na proa 140, e redução de velocidade para 190 nós. O comandante aciona o flap e liga o sinal de "apertar cintos". Então ele se lembra que não fez seu "speech" final.

Cap: Uh, ainda não dei tchauzinho para os passageiros.

Cap-PA: Amigos, aqui é o comandante novamente. Nós devemos pousar em mais 10 minutos. Céus azuis, temperatura 75ºF (aprox. 24ºC). Ventos sopram de oeste com 10 milhas de intensidade. Nós apreciamos muito a escolha de vocês por voarem com a USAir e esperamos que o vôo tenha sido agradável. Esperamos vê-los em breve em um de nossos vôos. Agora gostaria de pedir aos nossos comissários que preparem a cabine para o pouso. E por favor, verifiquem se os cintos de segurança estão afivelados. Obrigado.

Cap-RDO: Controle, você autorizou a pista 28 esquerda para o USAir 427?
APP: USAir 427, pista 28 direita.
Cap-RDO: Vinte e oito direita, obrigado.
F/O: Vinte e oito direita, a que nós esperávamos. Já armei o auto-brake para o pouso.
Cap: Descendo de sete para seis mil pés.
F/O: De sete para seis.
Cap: Rapaz, eles (controle de aproximação de Pittsburgh) sempre retardam muito as chegadas por aqui, não?
F/O: Esse sol vai estar bem na nossa cara, como naquela decolagem de Cleveland, ontem. Eu vou fechar meus olhos. (Risos). Você grita quando estivermos perto do chão.
Cap: Okay. (Risos)
APP: USAir 427, curva à esquerda proa 100. Você terá tráfego à duas horas, um Jetstream a seis milhas, no rumo norte, subindo de 3.300 pés para 5 mil pés.
Cap-RDO: Tráfego avistado, girando proa 100, USAir 427.
F/O: Ah, sim, estou avistando o Jetstream.

Os gravadores de cabine captam o som dos motores aumentando potência. O Boeing inicia uma curva suave, de 15 graus, girando dois graus por segundo. Porém, nesse exato momento, o voo 427 entra na esteira de turbulência gerada por um Boeing 727-200 da Delta Air Lines, que havia passado por aquela mesma posição 69 segundos antes. No segundo seguinte, o comandante solta um rápido palavrão. Um voo até então absolutamente normal começa a se transformar em tragédia.

Cap: Merda!
F/O: O que?

A asa esquerda do boeing afunda 18º abaixo da linha do horizonte em apenas 3 segundos. O primeiro-oficial aplica sobre o manche um comando contrariando esse afundamento de asa. Exatamente às 19h03:01, a asa esquerda estava a 30º abaixo da linha do horizonte. Nesse instante, o nariz do 737 começa a afundar. O Boeing inicia um giro rapidíssimo em seu eixo longitudinal. Numa questão de segundos, o Boeing vira de dorso, de barriga para cima e seu nariz afunda. São 19h03:07. A asa esquerda já está a 70º da vertical e o nariz a 20º abaixo do horizonte. O Boeing está a 1.200m de altura sobre o terreno quando estola.

Os microfones de cabine captam agora o som do alarme de piloto-automático sendo desligado pela ação do primeiro-oficial. Os sons de ambos os pilotos arfando e grunhindo pela surpresa e pelo esforço necessário para buscar equilíbrio também é captado. O jato já mergulha rumo ao solo, a uma velocidade de 300 milhas por hora e acelerando. Faltam nesse instante 16 segundos para o voo 427 encontrar seu destino final.

Cap: Ôoooa! Se segura! Se segura!
F/O: Ah, merda!

Os microfones registram os alarmes de altitude soando e o som do stick-shaker, o dispositivo de proteção de estol entrando em ativação. A cabine do Boeing passa a ser um lugar infernal, com vários alarmes soando juntos ao mesmo tempo. Em segundos, o voo 427 passa da rotina ao pavor. Os dois pilotos na cabine de comando estão tão surpresos quanto assustados.

Cap: Que diabos...
F/O: Oh.
Cap: Oh, Deus, oh, Deus.
APP: USAir...
Cap-RDO: 427, emergência!
F/O: (gritos)
Cap: Puxe!
F/O: Oh!
Cap: Puxe! Puxe!
F/O: Deus!
Cap: (gritos)
F/O: Nãoooo!

19h03:25 - Fim da gravação.

O Boeing bate num descampado na comunidade de Aliquippa, Pennsylvania, num ângulo de 83º em relação ao horizonte, ou seja, praticamente na vertical. A velocidade no momento do impacto era de 299 milhas por hora. No local em que o Boeing colidiu contra no solo, criou com sua inércia uma cratera de mais de 3 metros de profundidade, de onde milhares de pequenos fragmentos fumegantes seriam resgatados nos dias seguintes. A desintegração foi praticamente total, e um violento incêndio seguiu-se à queda, carbonizando as poucas partes ainda reconhecíveis da estrutura do jato.

As investigações subsequentes mostraram que o Boeing 737-300 estava configurado com flap 1; slats, reversores dos motores e trens de pouso estavam guardados, numa condição compatível com a fase de voo em que se encontrava. O Boeing, matrícula N513US, levava 127 passageiros, dois pilotos e três comissários. Todos os ocupantes tiveram morte instantânea.

Pelos três meses subsequentes à tragédia, nada foi divulgado. E o NTSB, National Transportaion Safety Board, órgão responsável pela investigação de acidentes aeronáuticos, levaria ainda três longos anos estudando o acidente, para chegar à conclusão de que o desastre do voo USAir 427 "não teve sua causa definida". Foi a primeira vez, ao longo de décadas de investigações, que as causas de um desastre aéreo de grandes proporções foram oficialmente consideradas como "indefinidas."

A primeira hipótese teria sido o encontro com a esteira de turbulência de uma aeronave Boeing 727-200. Essa esteira teria desequilibrado o Boeing e provocado seu mergulho. No entanto, a aeronave mais próxima encontrava-se 4 e meia milhas distante, e voando 1.500 pés acima do vôo 427. O NTSB trabalhou então com outra teoria: a de que o encontro com a esteira de turbulência gerada por outra aeronave teria sido exacerbado por um movimento abrupto do leme da aeronave. Esse movimento abrupto teria desestabilizado o Boeing, que então teria entrado no mergulho de onde não mais sairia.

Outra hipótese levantada seria a de uma falha de projeto do sistema de compensação no leme do Boeing, que teria inadvertidamente defletido a superfície, com tal severidade, que seria capaz de desestabilizar o jato. O Boeing, no entanto, estava a 2.000 metros de altura quando o controle foi perdido. O NTSB acredita que haveria altitude e tempo para uma correção. O porque dos pilotos não haverem conseguido restabelecer o controle do Boeing também permanece motivo de dúvida e especulação.

O fato é que o Boeing 737 continua sendo a aeronave a jato mais vendida da história, devendo em breve romper a casa dos 6.000 fabricados. Se, de fato houve um problema de projeto no leme dos 737, então muitos milhões terão de ser gastos em exames e eventuais reparos dessa imensa frota da jatos 737 em operação. Até lá, a tragédia de Aliquippa continuará sem nenhuma explicação definitiva.

Fotos do Acidente com o Voo 427 da USA Air

Acidentes e Desastres aéreos
USA Air Flight 427 Air Crash

Queda de avião

Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.

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