Valujet 592 - Fogo Total! (Relato Catástrofe Aérea da Blackbox do Jetsite)

Relato da Blackbox do Jetsite

Valujet - Antes da Catástrofe

Em meados dos anos 90, o presidente de uma empresa aérea norte-americana deu a seguinte declaração durante uma entrevista: "As novas empresas aéreas que estão surgindo por aí querem ser uma nova Southwest ou United ou American. Nós, ao contrário, só queremos ficar ricos." A frase, que se já não fosse memorável o suficiente pela sua infelicidade, em breve seria considerada um verdadeiro insulto. A bobagem foi dita ao final de 1995 por Lawrence Priddy, dono da empresa aérea de baixos custos e baixas tarifas Valujet.



Pouco menos de seis meses depois da declaração, no dia 11 de maio de 1996, Priddy veria seu sonho de riqueza desabar, levado fragorosamente ao chão nas asas de um DC-9-30 de sua companhia. Naquela tarde, o jato, matriculado N904VJ, aterrissou no aeroporto de Miami, proveniente de Atlanta, base principal da Valujet. A companhia, criada no começo da década, operava sob o modelo Low-Cost/ Low-Fare, imortalizado pela Southwest Airlines.

Priddy, para poder "ficar rico" rapidamente, reduzia ao máximo as despesas em sua companhia. Os profissionais tinham que comprar seus próprios uniformes. Nem copos de água ou café eram distribuídos: quem quisesse beber algo durante o expediente, tinha que comprar e trazer o próprio copo ou xícara. Assim, tudo na empresa, do handling nos aeroportos aos salários, da compra de combustível à manutenção, tudo na empresa era reduzido ao mínimo essencial para funcionamento. Até mesmo o atendimento e despacho de operações eram terceirizados em alguns aeroportos, confiados à empresas cujo principal atributo era oferecer custos irrisórios à Valujet. Priddy sabia o que queria. Talvez tenha apenas esquecido uma velha máxima, que vale muito na aviação: "O barato sai caro". E como sairia caro para a Valujet.

Naquela tarde, o N904VJ chegou às 13h10, com mais de uma hora de atraso à Miami, procedente de Atlanta. O tempo em solo teria de ser reduzido ao máximo para evitar atrasos adicionais no vôo seguinte que teria de cumprir, o Valujet 592, um serviço sem escalas de retorno à Atlanta, principal cidade do estado da Geórgia. O horário de partida previsto, 13h00, já havia passado há 15 minutos quando o jato finalmente chegou ao portão.

Assim que o DC-9 parou, as equipes de terra literalmente atacaram a aeronave: abriram os porões, retirando com urgência carga e malotes; reabasteceram o jato; verificaram os níveis de água nos lavatórios, cumpriram com as inspeções de rotina e falaram com a tripulação sobre a aeronave, que não apresentava qualquer problema técnico digno de nota. Em rápida sucessão, embarcaram as malas dos passageiros do vôo 592, bem como a carga de porão. Dentre as 4.000 libras de carga declaradas, havia bagagem, correio e materiais de uso da própria companhia, classificados e etiquetados como "COmpany MATerial" (COMAT). O COMAT daquele vôo consistia em dois pneus e duas rodas para o trem de pouso principal, uma roda e um pneu da bequilha e cinco caixas identificadas como "Cilindros de oxigênio - vazios."

Esses cilindros geradores de oxigênio, usados, no entanto, não podiam ser transportados por via aérea. Embora no manifesto de carga, constassem como "vazios," por um descuido da empresa que fazia os serviços de despacho para a Valujet, a Sabre Tech. Na realidade, os cilindros estavam mesmo cheios. Rotulados como vazios, o funcionário que carregava a aeronave acreditou que, sendo assim, eles poderiam ser levados de volta à sede da companhia, em Atlanta, sem oferecer riscos ao vôo. E, como eram dados como "vazios" não contavam com válvulas de segurança, empregadas com a função de impedir possíveis vazamentos durante o transporte.

Os cinco cilindros foram embarcados no porão dianteiro, à frente das asas, sob o piso da cabine principal de passageiros. O mesmo funcionário que os despachou, ou desconhecia ou desconsiderou as regras de transporte de materiais potencialmente perigosos, conhecidos na indústria da aviação como "HAZMAT" - Hazardous Materials, ou "Materiais Perigosos".

Pela maneira como os gases se expandem em voo, cilindros como aqueles simplesmente são proibidos de embarcar em aeronaves. As regras de identificação de materiais HAZMAT são algumas das mais elementares no setor, pela importância que têm na própria segurança de voo. Na prática, o embarque desses cilindros cheios foi como se verdadeiros maçaricos prontos para entrar em ignição. Verdadeira bombas-relógio, prontas para detonar tão logo a diferença de pressão experimentada durante a subida em rota exercesse sua presença. A tripulação do voo 592, que leu e assinou o manifesto de carga, desconhecia esse fato. Para baratear seus custos de operação, a Valujet terceirizava boa parte dos serviços de solo. A empresa contratada para cuidar os procedimentos de solo para a Valujet venceu a concorrência justamente por apresentar os menores custos para a companhia. Um perfeito exemplo do padrão "Só queremos ficar ricos" de Lawrence Priddy. E que nos minutos seguintes, seria também um perfeito exemplo de que em aviação, o barato sempre sai caro.

Os preparativos para a partida do voo 592 estavam concluídos. No plano de vôo, o DC-9 levaria uma hora e 32 minutos para unir Miami a Atlanta, voando a uma altitude de 35.000 pés. As portas foram fechadas com 110 ocupantes, sendo 6 tripulantes. A equipe de terra trabalhou rápido e as 13h40 o DC-9 foi tratorado para o pátio e seus motores ligados. Naquela tarde, o jato era comandado por Candy Kubeck, comandante com 35 anos de idade e seis mil horas de experiência. Ela era considerada excelente profissional por seus colegas. Chegou a hora de acompanhar o voo 592 desde a cabine de comando, no momento em que a torre de Miami autoriza a decolagem do Valujet 592.

A Catástrofe do Voo Valujet 592

Cap: comandante
F/O: primeiro-oficial
F/O-RT: transmissão de rádio do primeiro-oficial
F/A: comissária
TWR: torre do aeroporto de Miami
DEP: controle de saída de Miami (Departure Control)
CAM (Cabin Area Microphone): microfone de cabine de comando

14h03:24 - TWR: Critter 592, voe na proa da pista 09, livre decolagem.
14h03:28 - F/O: Proa da pista 09, livre decolagem, Critter 592.
14h03:31 - Cap: Luzes ligadas.
14h03:34 - CAM: Som dos motores sendo acelerados.
14h03:35 - Cap: Bleeds fechados. Dê potência de decolagem.
14h03:42 - F/O: Potência de decolagem, temos 94. 95%.
14h03:57 - F/O: Cem nós.
14h03:58 - Cap: Checado.
14h04:07 - F/O: V-1.
14h04:08 - Cap: Checado.
14h04:09 - F/O: V-R.
14h04:15 - F/O: Razão positiva.
14h04:16 - Cap: Recolher trem.
14h04:17 - F/O: V-2.
140h4:24 - Critter 592, contate controle de saída, tenha um bom dia.
14h04:27 - F/O-RT: Bom dia ao senhor.
14h04:31 - Cap: Recolher flaps.
14h04:33 - F/O-RT: Boa tarde, controle de saída, Critter 592 passando 500 para 5000 pés.
14h04:36 - DEP: Critter 592, controle de saída, boa tarde. Contato radar, suba e mantenha 7.000 pés.
14h04:40 - F/O-RT: Sete mil pés, Critter 592.
14h04:43 - Cap: Recolher slats.
14h04:46 - F/O: Slats em cima.
14h05:05 - F/O: Vamos seguindo aquele Boeing bem à frente.
14h05:07 - Cap: Ok.

O DC-9 subia em rota, num vôo aparentemente normal, corriqueiro. Usando do sistema PA (Passenger Announcement), a comissáriaa-chefe do vôo transmitiu aos 104 passageiros a seguinte mensagem:

14h05:10 - F/A: Senhoras e senhores, a comandante Kubeck irá desligar o aviso de não fumar e atar cintos tão logo ela sinta que seja seguro. Até esse momento, por favor, mantenham-se confortáveis em seus assentos com seus cintos bem atados. Para sua segurança, mantenham os cinturões de segurança afivelados durante todo o vôo, mesmo depois de apagado o aviso. Em breve iremos iniciar nosso serviço de bordo, composto por: refrigerantes, café e sucos; cocktails custam três dólares; cervejas e vinho, dois dólares. Como sempre, agradecemos se vocês tiverem dinheiro trocado. Para uma lista completa das bebidas oferecidas, consulte a página cinco de nossa revista de bordo, "Good Times". Por enquanto, relaxem e aproveitem este vôo até Atlanta, Georgia.

O DC-9 subia em meio às formações de cumulus naquela tarde quente e ensolarada. Os passageiros ainda olhavam a bela visão do centro da cidade de Miami, que o jato sobrevoava enquanto executava uma curva ascendente à esquerda, subindo em rota. Um vôo que prometia ser tão curto quanto rotineiro. Na cabine de comando, os dois pilotos ainda trabalhavam bastante, nesta que é uma das fases dos vôos com maior carga de trabalho. É preciso configurar a aeronave, executar checks, cumprir com a navegação e observar as instruções de solo, disparadas em rápida sucessão, sobretudo em aeroportos localizados em terminais congestionados, como é o caso em Miami.

14h05:45 - DEP: Critter 592, voe na proa 360.
14h05:48 - F/O-RT: Proa 360, Critter 592.
14h05:49 - Cap: Três meia zero, potência de subida, check de subida.
14h05:56 - F/O: Potência selecionada.
14h06:29 - F/O: Trens em cima e travados, luzes desligadas, spoilers desarmados, ignição desligada, válvula de ar em override, bombas hidráulicas desligadas e em baixa, luzes de navegação e de logo em intensidade dez, altímetros em 18.
14h06:40 - Cap: Obrigada!
14h06:50 - DEP: Critter 592, curva à esquerda proa 330.
14h06:53 - F/O-RT: Proa 330, Critter 592.
14h06:55 - Cap: Três três zero?
14h07:18 - Cap: Chegando a seis mil e indo para sete.
14h07:24 - DEP: Critter 592, curva à esquerda proa 300, direto para transição Winco, suba e mantenha seis mil pés.
14h07:29 - F/O-RT: Proa 300, Winco a seis mil pés, Critter 592.
14h07:33 - Cap: Livre à esquerda.
14h07:42 - Cap: Vamos ligar o radar?
14h08:00 - F/O: Somente umas formações adiante... A umas 80 milhas.
14h08:03 - Cap: Deve ser aquela tempestade.

A Cmte. Kubeck consulta a tela do rada e comenta:

14h08:28 - Cap: Deve ter uma passagem por aqui. Odiaria ter que atravessar essa coisa aqui a 100 milhas e a oito mil pés, com esse tempo aí.
14h08:32 - F/O: Com certeza.

A fase mais trabalhosa da subida chega ao fim. O DC-9 agora toma a proa noroeste e, navegando em meio ao sol abundante que banha o sul da Flórida, começa a sobrevoar os Everglades, uma enorme área pantanosa e desabitada no centro do estado da Flórida. O primeiro oficial pergunta à comandante:

14h09:30 - F/O: Você quer deixá-los (os passageiros) amarradinhos ainda mais um pouco?
14h09:32 - Cap: Não, ok, pode liberá-los.

O segundo oficial desliga o sinal de atar cintos e não fumar. Os comissários levantam-se de seus assentos e iniciam o check de cabine pós decolagem, primeiro procedimento antes de iniciarem o serviço de bordo. Menos de meio minuto depois, começam a surgir os primeiros sinais de que alguma coisa estava errada.

14h09:44 - Cap: Ôpa! O que foi isso? Turbulência?

No gravador de cabine, um sinal de alerta se faz ouvir. Surpresa, a comandante Kubeck interpela o primeiro-oficial.

14h10:06 - Cap: O que foi isso?
14h10:06 - F/O: Não sei.
14h10:12 - Cap: Parece que estamos perdendo um gerador?
14h10:15 - Cap: Estamos com alguma pane elétrica.
14h10:17 - F/O: Parece...
14h10:18 - F/O: O carregador de bateria entrou em funcionamento. Uh, parece que... Acho que...
14h10:20 - Cap: Estamos perdendo tudo.

Nesse exato instante, o controle de subida de Miami contata o Valujet 592 para transmitir sua última mensagem e passar o controle do vôo ao Centro Miami.

14h10:21 - DEP: Critter 592, contate Centro Miami em 132.45, adeus.
14h10:22 - Cap: Nós precisamos... Nós precisamos voltar para Miami!

No segundo seguinte, a situação que já era tensa torna-se dramática. Vozes femininas são claramente ouvidas e registradas pelo CVR. Ouve-se pela primeira vez, dentro da cabine de comando gritos desesperados vindos da cabine de passageiros.

14h10:23 - CAM: Fogo! Fogo! Fogo! Fogo!
14h10:27 - CAM: Nós estamos pegando fogo! Nós estamos pegando fogo!
14h10:30 - Cap: Peça retorno para Miami!

Sem ter recebido resposta do Valujet 592, o controle de subida de Miami repete sua última mensagem.

14h10:30 - DEP Critter 592, contate Centro Miami em 132.45.

O primeiro-oficial simplesmente responde com um pedido:

14h10:32 - F/O: Uh, 592 precisa de retorno imediato a Miami.
14h10:35 - DEP: Critter 592, entendido, curva à esquerda proa 270, desça e mantenha sete mil pés.

Menos de sete minutos haviam transcorrido desde a decolagem. Bastou este curto intervalo de tempo para um vôo absolutamente rotineiro se converter num absoluto drama. O gravador de cabine contiuava a registrar gritos vindos da cabine de passageiros. Vozes masculinas e femininas podiam ser escutadas, claramente alteradas, já em pânico. No instante seguinte, o controle de saída de Miami perguntou aos pilotos do Valujet 592 que tipo de problema eles enfrentavam.

14h10:42 - DEP: Qual é o problema de vocês?
14h10:46 - F/O: Uh, fumaça na cabine de comando, ah, fumaça a bordo.
14h10:47 - DEP: Entendido.
14h10:49 - Cap: Qual altitude?
14h10:50 - F/O: Sete mil.

A porta da cabine de comando é aberta. Uma comissária entra e, sem disfarçar o pânico, pede, aos gritos:

14h10:55 - F/A: Precisamos de oxigênio, precisamos de oxigênio aqui atrás!

Nos instantes seguintes, comissários chamam pelo sistema de interfone a cabine de comando, pedindo instruções para o acionamento do sistema de máscaras de oxigênio. Mas, em caso de incêndio, este sistema não deve nunca ser acionado: o oxigênio concentrado que circula pelas máscaras pode alimentar ainda mais as chamas. Sem saber da real gravidade da situação, o centro de Miami instrui o DC-9 para acelerar sua chegada.

14h11:08 - DEP: Critter 592, quando possível, curva a esquerda na proa 250. Desça e mantenha 5 mil pés.

A resposta do primeiro oficial é curta, denunciando a enorme tensão vivida pelos pilotos:

14h11:11 - F/O: 250, sete mil.

A porta da cabine é novamente aberta. Uma comissária mete a cabeça dentro do cockpit e grita uma mensagem curta e desesperadora. Ela diz apenas:

14h11:12 - F/A: Fogo total!

O gravador de cabine registra os gritos, cada vez mais altos, vindos da cabine de passageiros. A situação escapa rapidamente do controle. Desesperado, o co-piloto pede ao centro de Miami:

14h11:38 - F/O: Critter 592, nós precisamos do... uh, aeroporto mais próximo das imediações.
14h11:42 - DEP: Critter 592, a equipe de emergência (em Miami) está esperando por vocês. Vocês podem se programar para pouso pela pista 12.

O fogo ganha intensidade no porão e se alastra pela cabine de passageiros do DC-9, que a esta altura já está praticamente cheia de fumaça. As labaredas atacam e destroem parte da fiação elétrica, desligando sistemas e instrumentos da aeronave em rápida sucessão. Um dos sistemas que acaba desligado é justamente o elétrico, que alimenta os gravadores de vôo. O CVR deixa de funcionar as 14h11:45. Ele só voltaria a operar um minuto e doze segundos depois. Quando volta a funcionar, os gravadores registram um som de volume elevadíssimo: o ruído de fluxo de ar corrente, que pode ter sido registrado tanto pela abertura de uma das janelas do cockpit como pela destruição de parte da fuselagem atacada pelas chamas. Uma nova interrupção na gravação acontece. Quando o CVR volta a gravar, registra um pedido do primeiro oficial:

14h11:42 - F/O: Precisamos de vetores para o aeroporto.
14h11:49 - DEP: Critter 592, curva a esquerda, proa 140.
14h11:54 - F/O: Proa 140.
14h12:45 - DEP: Critter 592, continue na curva até a proa 120.

Alguns segundos se passaram. O controlador, não recebendo uma resposta do vôo 592, repetiu a instrução. Nada. Nem um som, nenhuma resposta.

As 14h12:48, os gravadores de dados (FDR) pararam de funcionar. O fogo havia destruído sistemas vitais da aeronave, dentre os quais, os cabos de energia que alimentam as caixas-pretas. Entretanto, o transponder do jato continuava em operação. E foi através dele que os radares de terra conseguiram registrar os últimos instantes do vôo 592. O último eco de radar mostrava o DC-9 a 7.200 pés de altitude, desenvolvendo uma velocidade de 260 nós e executando uma curva à esquerda, na proa 218.

O controle de solo pouco sabia da real situação a bordo do DC-9 e assim, continuou tentando contato. Outra ordem foi enviada pelo controle ao jato:

14h13:18 - DEP: Critter 592, você, ah, pode iniciar curva a esquerda, proa 100, dirto para o localizador da pista 12 de Miami.

Nenhuma resposta. As 14h13:27, o controlador novamente emitiu uma instrução, para que o vôo 592 descesse até 3.000 pés. As 14h13:37, uma última transmissão veio do vôo 592. Ela saiu truncada, simultaneamente com a transmissão de outra aeronave. Por três segundos, algo tentou ser transmitido da cabine de comando do DC-9. O conteúdo da chamada não pode ser compreendido. Apenas o som agudo da estática ficou registrado como epitáfio do vôo 592 da Valujet.

Tentando ajudar, o controlador ainda emitiria mais uma mensagem ao vôo 592:

14h13:43 - DEP: O aeroporto de Opa Locka está a 15 milhas diretamente na sua proa.

O que o controlador não sabia é que exatamente um segundo antes de iniciar esta frase, precisamente as 14h13:42, o DC-9 mergulhou nas aguas escuras e pantanosas dos Everglades. Os pilotos do jato ou ficaram incapacitados pela fumaça a bordo ou simplesmente perderam controles vitais para a pilotagem como, por exemplo, os cabos dos comandos, que podem ter sido danificados pelo agravamento do incêndio. O fato é que o DC-9 mergulhou diretamente de 7 mil pés para o solo, sem controle. O jato bateu com sua asa direita e nariz pronunciadamente para baixo da linha do horizonte, 18 milhas a noroeste do aeroporto de Miami, numa região praticamente deserta.

A demolição foi instantânea e absoluta. O escuro pântano tragou o jato e seus 110 ocupantes completamente. Pequenos pedaços destroçados da aeronave eram os únicos sinais visíveis desde a superfície. As águas que engoliram a aeronave impediram a propagação do incêndio, pois os tanques de combustível, ainda cheios, se romperam no impacto.

As equipes de resgate chegaram ao local em menos de uma hora. Os trabalhos de busca e salvamento foram extremamente difíceis: a região, infestada de cobras e jacarés, dificultava a movimentação das equipes de resgate. Pior ainda, os corpos submersos atraíam a presença constante dos répteis, que atacaram várias vezes os bombeiros, paramédicos e guardas que acorreram ao local, ferindo dois deles com gravidade. O combustível espalhado pela superfície tornava o local ainda mais perigoso: somente barcos a remo podiam ser empregados nas imediações, para evitar o risco de uma explosão. Os corpos ficaram tão irreconhecíveis que muitos deles acabariam por não ser identificados. Boa parte da estrutura da aeronave e de seus ocupantes permaneceu para sempre sepultada sob o lodo do fundo pantanoso.

O órgão responsável pela segurança nos transportes nos Estados Unidos da América, o NTSB -National Transportation Safety Board - determinou que a causa primária provável para o acidente foi o erro da SabreTech em preparar, identificar, e impedir o transporte dos geradores químicos de oxigênio. Como fator contribuinte, a falha da própria Valujet em inspecionar o trabalho da SabreTech e garantir que o mesmo seria levado a cabo a contento. O NTSB acusou ainda a Federal Aviation Administration (FAA) de não obrigar as empresas a instalar sistemas de monitoramento de fogo nos porões das aeronaves. E finalmente, acusou tanto a SabreTech como a Valujet de desconhecer as normas de transporte de materiais potencialmente perigosos, como publicado pelo órgão em sua recomendação (NTSB/AAR-97/06).

O acidente teve enorme repercussão nacional. A Valujet, que decolava em rápida expansão, foi tão duramente atingida, sobretudo quando se fez pública a infeliz declaração de seu presidente, que a companhia praticamente foi levada à beira da falência. Ela escapou por pouco de fechar as portas, mas teve de trocar toda a diretoria, presidência, e, sem conseguir se descolar da imagem da tragédia, adquiriu o controle de uma pequena empresa aérea, a AirTran, e adotou o nome e a imagem justamente dessa pequena companhia. Hoje, a AirTran é uma empresa bem sucedida, que voa desde Atlanta para praticamente todos os cantos dos Estados Unidos.

Uma última lição. Em aviação, nada substitui, vem antes ou tem mais importância que a segurança. E só existem dois tipos de empresas aéreas: as que compreendem este fato (e assim operam); e o resto.

Gianfranco Beting

Fotos da Catástrofe do Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592

Catástrofe com o Valujet 592



Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário