A Vnukovo Airlines é uma das muitas companhias aéreas surgidas do desmembramento da antiga Aeroflot, a companhia estatal soviética. Baseada no aeroporto homônimo que serve à capital russa, a empresa cresceu rápido após sua fundação. Talvez, e apesar de seu sucesso, tenha crescido rápido demais, sobretudo no tocante à segurança aérea. A companhia, em sua curta trajetória, sofreu mais acidentes do que seria admissível. Um dos mais impressionantes é este que você vai ler a seguir, e que derrubou o voo VKO 2801.
Na madrugada de 29 de agosto de 1996, o Tupolev Tu-154M, prefixo RA-85621, partiu do aeroporto de Vnukovo com destino ao aeroporto de Svalbard - Longyear. A bordo iam mineiros, alguns com suas famílias, trabalhar nas minas que ficam na própria região de Svalbard, na ilha de Spitsbergen, Noruega. Até o início da aproximação ao aeroporto de Longyear, a viagem transcorreu absolutamente normal. A informação obtida pelo ATIS dava conta das condições atmosféricas na chegada: pista em uso 28, vento 230 com 100 nós, visibilidade de mais de 10 km, chuvas esparsas e muitas nuvens: poucas a 1.500 pés, esparsas a 2.000 pés; temperatura de 5ºC e QNH 1005 hPa.
A tripulação solicitou o pouso na pista 10 por duas vezes, mas o inglês deficiente dos pilotos impediu que a mensagem fosse entendida com clareza. As 08h15, a tripulação entrou numa curva base, saindo da mesma na proa 160. As 08h15, a aeronave iniciou uma curva para a proa 300, conforme descrito na carta de aproximação por instrumentos. A distância DME nesse momento era de 25.9 km da cabeceira, mas a aeronave já havia se desviado do alinhamento da pista em mais de 3.7 km para a esquerda. As 08h18, o primeiro alarme de proximidade com o solo soou. O co-piloto assumiu o comando e desativou o controle de pitch no piloto automático, que se manteve ligado, porém, no controle de rolagem. Nesse momento, a confusão instalou-se: o comandante do voo entregou a responsabilidade de identificação de posição ao navegador, que seguia as cartas Jeppesen, sem contudo ter autoridade -nem certeza para determinar as proas corretas. Na prática, o Tupolev voava numa linha paralela à reta final, quase 4km à direita de onde deveria estar. As 08h22:05, a aeronave começou a curvar à esquerda e perder altitude. Quase instantaneamente, porém, começou a sofrer os efeitos de ventos convectivos, gerados pelas montanhas que, sem perceber e enxergar à frente, o Tupolev começava a sobrevoar perigosamente perto. Então, o alarme GPWS soou. Restavam apenas poucos segundos para os ocupantes do Vnukovo 2801. Vamos entrar na cabine do Tupolev em seus minutos finais, mostrando a total desorientação e falta de trabalho de equipe que reinavam no cockpit. Os diálogos não deixam dúvidas.
Desastre do Vnukovo 2801
Cap: Comandante.F/O: Primeiro Oficial
F/E: Engenheiro de Vôo.
NAV: Navegador.
???: Voz de tripulante não identificada.
AFIS: Centro de controle de Longyear
-RDO: Transmissão para o controle por parte de um tripulante.
8h16:55 - NAV: Sete milhas agora.
8h17:05 - F/O: Onde, onde é que estamos?
8h17:06 - NAV: Enquanto isso, prossiga assim mesmo.
8h17:08 - Cap: Reparou no lugar?
8h17:09 - NAV: No través de onde precisamos iniciar a curva.
8h17:14 - Cap: Vamos ter de fazer uma curva para corrigir a trajetória?
8h17:16 - ???: Estamos nos aproximando.
8h17:21 - Cap: Então, onde estaremos?
8h17:40 - AFIS: Vnukovo 2801, chame quando estiver a oito milhas.
8h17:43 Nesse instante, começa a soar, por seis segundos, o alarme de altitude.
8h17:44 - NAV-RDO: Chamarei a dez milhas, Vnukovo 2801.
8h17:55 - AFIS: Vnukovo 2801, chame quando estiver a OITO milhas.
8h17:57 - F/E: Ele disse oito milhas.
8h17:58 - NAV-RDO: Ah, chamarei a oito milhas, Vnukovo 2801.
8h17:59 - AFIS: Correto.
8h18:16 - Soa novamente, por três segundos, o alarme de altitude.
8h18:17 - F/E: Estamos livres para descer?
8h18:19 - F/O: Perdi a indicação no meu instrumento!
8:18:21 Volta a soar, por seis segundos, o alarme de altitude.
8h18:28 - Cap: Vou girar um pouquinho para a esquerda.
8h18:32 - F/O: Ahn, siga direto, em frente.
8h18:52 - Cap: Bom, devo manter?
8h19:03 - ???: Então, quais as ordens?
8h19:04 - Cap: Então?
8h19:06 - F/O: Será que giramos a curva base muito cedo?
8h19:11 - Cap: Vamos nivelar!
8h19:14 - Cap: Deveria estar à nossa direita.
8h19:16 - NAV: (referindo-se a interceptação do localizador): Espere que já vamos encontrar.
8h19:18 - NAV: (ainda referindo-se ao localizador): Está mais à direita?
8h19:19 - F/O: Não, está imóvel. (a indicação no instrumento)
8h19:20 - Cap: À direita!
8h19:22 - Cap: Vamos virar à direita! Me dê a carta de aproximação, Borya. (nome do navegador)
8h19:21 - Volta a soar, por seis segundos, o alarme de altitude.
8h19:22 - F/O: Temos que iniciar a descida aqui?
8h19:24 - Cap: Temos que descer!
8h19:30 - F/O: Temos que iniciar a aproximação?
8h19:32 - Cap: Temos que mergulhar!
8h19:34 - Cap: Que proa você está mantendo?
8h19:36 - NAV: Proa 300 graus.
8h19:51 - NAV: Mas aqui indica proa 014 graus!
8h19:52 - Cap: Então corrija!
8h19:51 - NAV: Então vou manter 320 aqui, ok?
8h20:14 - F/O: Não é pouco para corrigir?
8h20:15 - NAV: É só uma curva de correção.
8h20:17 - Cap: Não! Vire à esquerda!
8h20:20 - NAV: Treze milhas, vamos descer?
8h20:24 - F/O: Para a esquerda!
8h20:24 - NAV: Três graus por cinco minutos e entraremos na rampa de planeio.
8h20:29 - F/O: Já estamos na proa da final, certo?
8h20:33 - Cap: Para entrar na final, você precisa fazer uma curva mais para a esquerda.
8h20:44 - F/O: Flaps?
8h20:52 - F/O: Vinte e oito?
8h20:58 - NAV: Ahn, duas, duas. três milhas.
8h21:00 - Cap: Você nos guia, ok, você nos guia!
8h21:03 - NAV: Estamos seguindo (as cartas de navegação) Jeppesen.
8h21:22 - Cap: Qual a nossa radial?
8h21:03 - NAV: Vamos seguir nossa carta de aproximação até o final!
8h21:35 - F/O: Proa 300 até agora! Tá certo isso?
8h21:36 - NAV: Estamos voando no 1150. Muito alto, temos de descer.
8h21:41 - Cap: Temos de descer.
8h21:44 - Cap: Então?
8h21:47 - F/O: Como está nossa aproximação? Está correta ou não? Desço os trens?
8h21:51 - Cap: Trens pra baixo.
8h21:55 - F/O: Para a esquerda agora?
8h22:05 - Cap: Para a direita.
8h22:07 - F/O: Como estamos em relação à altitude?
8h22:09 - NAV: Estamos com 300, ahn, cinco metros. Descer!
8h22:17 - Soa mais uma vez, por seis segundos, o alarme de altitude do GPWS. O co-piloto aplica potência aos motores e levanta o nariz do jato, mas já é tarde demais. Em meio às nuvens, surge na frente dos quatro tripulantes um paredão de pedra.
8h22:22 - Cap: Horizonte!
8h22:23 - F/O: Montanhas!!!
As palavras do primeiro oficial são gritadas sobre o som do alarme de altitude. Fica registrado nesse instante, na caixa-preta, o primeiro som de impacto da aeronave com as rochas. No segundo seguinte, terminam a gravação e as vidas dos 141 ocupantes do Tupolev. O Tupolev colidiu com o topo da montanha Operafjellet a 7.7 milhas náuticas (14.2 km) do aeroporto, a uma altitude de 2.975 pés (907m), e a 3.7 km à direita do eixo da pista. Pela severidade do impacto e subsequente desintegração da aeronave, não poderia haver sobreviventes.
Três segundos depois, o controle de solo, sem saber do impacto, chama o vôo 2801, dando as instruções meteorológicas no aeroporto:
8h22:25 - AFIS: Vnukovo 2801, vento 231 com 17 nós, visibilidade superior a 10 milhas, chuva leve, nuvens isoladas a 900 pés e esparsas a 2000.
Cinco segundos depois, a torre chama mais uma vez o vôo:
8h22:30 - AFIS: Vnukovo 2801, você copiou minha última transmissão?
Já não havia ninguém para responder. A tripulação e todos os ocupantes do Tupolev não poderiam mais responder à transmissão alguma. No topo da montanha, o que se via era a completa destruição do jato. Nada menos que 18 fatores foram identificados como contribuintes ao desastre: planejamento, de planejamento inadequado a deficiente interação entre os membros da tripulação; do inglês insuficiente para as transmissões à deficiências gritantes de navegação. Dessas 18 falhas, nasceu outra tragédia que enlutou, mais uma vez, a aviação russa.
Fotos e Informações do Vnukovo
https://en.wikipedia.org/wiki/Vnukovo_Airlines_Flight_2801
Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.
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