TY 981 - Silêncio na Floresta (Relato do BlackBox do Jetsite)

Arquivo de relato da seção Blackbox do Jetsite

Com o advento dos jatos de fuselagem larga em 1970, os especialista de segurança aérea começaram a se perguntar: o que poderia acontecer em caso de um acidente aéreo com uma dessas aeronaves, capazes de levar até 500 passageiros? Seria uma tragédia de imensas proporções, com um profundo impacto na sociedade e com repercussões igualmente grandes nos meios de comunicação, atraindo ainda mais atenção do que os desastres aéreos já naturalmente incitavam. Os piores medos desses especialistas iriam se tornar realidade pouco mais de quatro anos depois que a Pan Am inaugurou a Era dos Jumbos com seus Boeing 747.


O dia do Voo 981

O domingo 3 de março de 1974 amanheceu esplendoroso em Paris. Sem uma nuvem e com temperaturas amenas, denunciando a chegada, tímida ainda, da primavera na Europa. Naquela manhã também chegou a Paris - aeroporto de Orly, por volta das 11h00 e procedente de Istambul, um dos três DC-10-10 operados pela empresa turca THY - Turk Hava Yollari ou Turkish Airlines. Matriculado TC-JAV e batizado em homenagem à cidade turca de Ankara, o trijato era o maior motivo de orgulho da THY, a primeira operadora do tipo fora da América do Norte. Operando na empresa há apenas 16 meses, era então um equipamento moderníssimo.

O voo 981 chegou à capital francesa com apenas 167 de seus 345 assentos ocupados e em Paris desembarcaram 50 passageiros. Os 117 restantes prosseguiriam junto no DC-10 até seu destino final naquela manhã, o aeroporto de Londres - Heathrow, onde o voo 981 seria concluído e de onde o jato regressaria, com escala em Paris, para a capital turca.

Mas naquele mesmo fim de semana, a BEA - British European Airways - havia entrado em greve. Seus funcionários faziam exigências salariais antes da fusão da empresa com a BOAC, um acordo que acabaria por formar a poderosa British Airways. Cruzando os braços, os engenheiros da BEA deixaram milhares de passageiros no chão, transformando as viagens para o Reino Unido num verdadeiro caos. Os funcionários da THY, sabendo da situação, aproximaram-se dos balcões da companhia inglesa, oferecendo lugares no DC-10, que partiria em poucas horas. Em questão de minutos, os 216 assentos vagos já estavam tomados por uma esmagadora maioria de passageiros britânicos.

Alheia a todo essa agitação, os pilotos do TC-JAV preparavam-se para o curto voo através do Canal da Mancha. A tripulação técnica do DC-10 era composta pelo comandante Mejat Berkoz, auxiliado pelo primeiro oficial Oral Ulusman e pelo engenheiro de voo Huseyin Ozer. Com um maior número de passageiros fazendo o check-in, a partida do voo 981 atrasou-se em 20 minutos: as 12h20 finalmente, o comandante Berkoz chamou a freqüência de solo em Orly solicitando acionamento e push-back. As 12h24, o DC-10 iniciou o táxi para a cabeceira 08, de onde decolou normalmente às 12h29, pilotado naquela etapa pelo primeiro oficial Ulusman.

O Voo TY 981 da Turkish Airlines

Tomando inicialmente a proa leste, o jato voou por 35 milhas até ser autorizado a iniciar uma curva para o rumo 345, que o levaria a sobrevoar Montdidier e depois Amiens. Ao passar pela marca de 6.000 pés, o jato despediu-se da torre de Orly e contatou a freqüência de área Noroeste de Paris, sendo prontamente autorizado a subir diretamente ao nível de cruzeiro 230 - 23,000 pés. Informando estar cruzando 7,000 pés, o comandante Berkoz encerrou sua transmissão. Quatro minutos depois, as 12h40, a freqüência seria utilizada mais uma vez pelo voo 981, desta vez de forma assustadora.

Ecoando pelas ondas do rádio, uma transmissão preocupante, incompreensível, chegou aos ouvidos dos controladores franceses. Ouvia-se apenas um forte ruído ao fundo, o alarme de despressurização ecoando pela cabine de comando e uma cacofonia de vozes gritando entre sí - em turco. A transmissão durou pouco menos de trinta segundos, sem que nada tenha sido entendido. Nas telas dos radares, o retorno do DC-10 começava a contar uma história de final trágico: o DC-10 iniciava um desvio de sua proa autorizada, 345º. Simultaneamente, o eco secundário no radar de vigilância com o número do voo, "981" desapareceu da tela, restando apenas o eco primário que indicava a altitude do avião: 9,000 pés. Este desapareceu da tela segundos depois. A situação do voo 981 era mesmo séria.

A bordo do DC-10, a situação era mais do que séria: era dramática. Segundos antes, a porta de carga traseira da aeronave abriu-se em pleno voo, uma falha ocasionada por uma deficiência no mecanismo de travamento, um defeito conhecido por todos os operadores de DC-10 e remediado após modificações no sistema de fechamento. No dia 12 de junho de 1972, ou seja, 21 meses antes, a mesma falha quase havia derrubado um DC-10 da American Airlines, que conseguiu pousar com dificuldade. Embora o fabricante recomendasse urgência nas modificações, a troca não era "obrigatória", e sim "recomendável o quanto antes".

Mas os DC-10 da THY eram o orgulho da empresa e sendo assim, mal paravam no solo, voando muitas horas por dia: a modificação poderia esperar algumas semanas, pensaram os executivos da THY. Eles estavam prestes a cometer o maior engano de suas vidas. Um engano que custaria centenas de vidas inocentes.

Em ambos os casos, tanto no caso da American como agora no DC-10 da THY, a falha da porta provocou uma violenta descompressão, afundando o piso principal da cabine de passageiros. No caso da THY, os efeitos foram ainda mais sérios, pois a descompressão acabou sugando pelo vão da porta de carga dois conjuntos inteiros de 3 poltronas cada, com seis passageiros amarrados à elas. Esses seis passageiros, em retrospecto, talvez tenham tido mais sorte, pois suas mortes devem ter sido rápidas: desaparecendo no espaço e caindo segundos depois numa plantação perto da Vila de St. Pathus, foram poupados da agonia que seus outros colegas de infortúnio teriam de viver pelos 72 segundos seguintes.

Pior do que simplesmente sugar esses passageiros, o rombo na fuselagem e o consequente afundamento do piso cortaram os cabos de comando das superfícies de cauda, travando os controles do DC-10. O jato, que até aquele instante subia, perdeu instantaneamente a capacidade de ser controlados pelos pilotos e imediatamente entrou num mergulho, fato imediatamente notado pela tripulação no segundo seguinte à explosão:

  • Cmte. Berkoz: (surpreso) Ei! O que está acontecendo aí?
  • F/O. Ulusman: (nervoso) A fuselagem explodiu!
  • Cmte. Berkoz: Tem certeza?


O jato já iniciara seu mergulho final, suave a princípio, bem como uma curva para a esquerda, na proa de 280º, como foi notada em solo pelos controladores de radar. A bordo do DC-10, o Cmte. Berkoz ordenava aos gritos ao primeiro oficial Ulusman:

  • Cmte. Berkoz: Levante! Levante o nariz!
  • F/O Ulusman: (num tom desesperado) Não consigo! Os comandos não respondem!


Nesse momento, o mergulho já estava bem mais pronunciado, com o nariz mais de 20º abaixo da linha do horizonte, fazendo o DC-10 ganhar cada vez mais velocidade. O Cmte. Berkoz então reduziu as manetes de potência do jato.

  • F/O Ulusman: Não nos sobrou nada!


Apenas 23 segundos haviam se passado desde a explosão.

  • Cmte. Berkoz: Sete mil pés!


A situação era dramática e o DC-10 agora perdia altura rapidamente, a uma razão de mais de 6 mil pés por minuto. Ganhando cada vez mais velocidade, com mais 11 segundos, o alarme de excesso de velocidade (overspeed) começou a soar na cabine.

  • Cmte. Berkoz: Hidráulicos? Temos ainda o (sistema) hidráulico?
  • F/O Ulusman: (murmurando) Não consigo! Perdemos tudo!
  • Cmte. Berkoz: (num tom resignado) Parece que vamos mesmo bater no chão.


Então, apenas 56 segundos depois da porta de carga falhar, Berkoz tomou a iniciativa de tentar arrestar o mergulho. Sua idéia foi a de aumentar a potência dos motores das asas para tentar diminuir ou mesmo interromper o mergulho. Foi a única vez em toda a emergência que Berkoz pronunciou algo em inglês: todas as outras vezes, em todas as comunicações com os colegas na cabine, falou em turco. Esse é um fato comum sob severas condições de stress: o cérebro comanda a utilização da língua pátria, de maneira a poder concentrar a capacidade de raciocínio restante para tentar solucionar o problema.

  • Cmte. Berkoz: Speed!


Então o veterano comandante abriu as manetes de potência, mas apenas dos motores 1 e 3, de maneira a deixar o motor número 2, instalado na cauda, sem transferir potência ao jato. Desta forma, o DC-10 ficaria com a cauda mais "pesada" e quem sabe assim, a perda de sustentação na regão posterior da fuselagem conseguisse levantar o nariz do DC-10. A heróica tentativa de Berkoz foi em vão: apesar do ângulo do mergulho de fato haver diminuído, o DC-10 já voava muito próximo ao solo. Pelos dez segundos seguintes, a tripulação permaneceu estarrecida, vendo o solo aproximar-se cada vez mais, cada vez mais rápido.

Numa lúgubre e até hoje não explicada reação, um dos tripulantes na cabine do DC-10 começou então a assobiar um jingle publicitário popular na Turquia naquela época. A reação, tão inesperada quanto patética, ficou gravada na caixa preta do DC-10, um dos últimos sons humanos registrados no Cockpit Voice Recorder. Dois segundos antes do impacto, talvez agindo apenas por reflexo condicionado, o Cmte. Berkoz fechou as manetes de potência do trijato - a última ação que faria em vida.

O DC-10 entrou voando a 800 km/h nas árvores da floresta de Ermenonville, ao norte de Paris. A destruição foi de tal ordem que mal houve incêndio: apenas a explosão instantânea no momento em que os tanques se romperam, quando a aeronave bateu nas árvores. No entanto, a alta velocidade da aeronave no momento do impacto abriu uma clareira de 100 por 700 metros.

Os primeiros socorristas da Gendarmérie que chegaram ao local, quase uma hora depois da queda, não podiam acreditar no que viam: na enorme e fumegante área devastada, o que antes era um DC-10 com quase 350 ocupantes agora era um vasto campo coberto de destroços. Nenhuma grande parte da aeronave, nem mesmo a cauda e os motores podiam ser encontrados: apenas pedaços pequenos, fragmentados, irreconhecíveis. Um mar de roupas, objetos pessoais e milhares de pedaços de corpos mutilados cobriam o solo ou jaziam pendurados nos galhos das árvores, balançando ao vento.

Jacques Lannier, capitão da Gendarmérie, relatou que nem mesmo com muitas décadas de profissão, acostumado portanto a ver as piores cenas, jamais vira nada semelhante. Seu depoimento é pungente:

"Uma das primeiras coisas que vi foi um par de mãos humanas, uma masculina e uma feminina, agarradas num aperto firme. Somente as mãos, amputadas na altura dos pulsos. Nada mais... A quantidade de corpos e a horrível mutilação de quase todos eles... Meu Deus, nunca vi nada assim... Mas o pior mesmo foi encontrar o corpo de uma menina e sua boneca, ambos pendendo de uma árvore. Não aguentei e chorei ali mesmo. Sou soldado, mas também sou pai de uma garotinha da mesma idade."

Naquela manhã ensolarada, a queda do DC-10 da Turkish Airlines marcou o início de uma série de acidentes fatais que manchariam para sempre a imagem do trijato construído pela McDonnell Douglas. Outros desastres marcariam para sempre, com trágicos matizes, a história desse grande avião. Relatos de acidentes que você vai conhecer em próximos artigos na seção Black Box.

Imagens do Voo Turkish Airlines 981

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10

Acidente TY 981 - Desastre aéreo Turkish Airlines Flight 981 DC 10


Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.

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