O voo e o acidente do Transbrasil 801
Sob o comando do copiloto, o 707 cargueiro da Transbrasil cai em Guarulhos momentos antes de pousar e deixa um saldo de 22 vítimas fatais.
Antes da Tragédia
Na manhã de segunda-feira, o piloto carioca Ronaldo Carvalho Oliveira, de 39 anos, acordou para a morte. Barbeou-se, vestiu-se, calçou-se. Era seu último dia: um dia cortado de nenhum pressentimento.Na hora do almoço ele abriu a porta de sua casa, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, beijou a mulher e os três filhos - de 9, 13 e 15 anos de idade - e selou uma série de promessas. Na quinta-feira, véspera do feriado, eles viajariam para um sítio perto de Saquarema, na Região dos Lagos fluminense. No sábado, como em todos os sábados, o pai e os três garotos brincariam na Associação de Aeromodelismo. O domingo ficara reservado para o Grande Prêmio de Fórmula 1. Nenhuma das promessas de Ronaldo pôde ser concretizada. Ao se despedir da família, ele estava apenas dando o primeiro passo de uma caminhada rumo à morte sem aviso prévio.
Às 13 horas Ronaldo embarcou como passageiro comum para São Paulo, onde às 2 horas da madrugada de terça-feira seguiria para Manaus a bordo do Boeing 707, um avião cargueiro de prefixo PT-TCS, da Transbrasil. Com ele voaria o comandante Dorival Scanavach, 39 anos, um veterano piloto com cerca de 10.000 horas de voo e vinte anos de profissão.
O piloto Ronaldo Oliveira e, à direita, o copiloto Dorival Scanavach Fotos: Revista Veja |
Dia da Tragédia com o 801 da Transbrasil
Dia seguinte, terça-feira, 21 de março de 1989.O relógio indicava 8h28 da manhã em Manaus quando a dupla de pilotos, acompanhados do engenheiro de voo Giseldo Constantino, avisou à torre de controle que o 707 subiria aos céus levando as 26 toneladas de equipamentos eletrônicos.
O Voo Transbrasil 801 era um voo de carga operado pela Transbrasil e que cobria a rota São Paulo – Manaus – São Paulo, com tripulação simples de dois pilotos e um engenheiro de voo.
No assento esquerdo, mãos firmes no manche, estava Ronaldo. Para ele, as três horas e meia de voo entre Manaus e São Paulo representavam pontos a mais em sua corrida para se tornar também um comandante de 707. Veterano piloto de aviões 727, ele estava sendo instruído para comandar também o 707. Em apenas quatro meses Ronaldo conseguira completar cinquenta horas de voo com o 707 - outras 100 horas e ele estaria apto para orientar um voo completo.
O Boeing 707 cargueiro, matrícula PT-TCS, aproximava-se do Aeroporto de Guarulhos retornando de Manaus. O tempo estava claro, com algumas camadas de nuvens a 3000 pés, o que não impedia que o aeroporto operasse em condições visuais.
Um NOTAM informava que as pistas 09R e 27L estariam interditadas a partir das 15:00 (UTC) para obras de limpeza e pintura.
Porém, momentos antes do início da aproximação, uma outra aeronave tivera problemas técnicos no trem de pouso e deixou impraticável a pista 09L.
Com a iminência de fechamento da 09R por força do NOTAM, o controlador de tráfego aéreo liberou a restrição de velocidade, comum para voos abaixo de 10.000 pés na TMA-SP à época.
Faltavam poucos minutos para que a referida pista fechasse e a tripulação passou a proceder com a motivação principal de chegar a tempo.
Seis minutos antes do limite da hora, o 707 passava o marcador externo a 400 pés acima da rampa ideal e com velocidade 90 nós além da prevista para aquela situação.
Dai para frente, uma sucessão de improvisações nos procedimentos de cabine tomou lugar do check-list, sob o olhar aflito do engenheiro de bordo e a complacência do comandante.
Instrutor e aluno adotavam seguidamente condutas descoordenadas e a cada movimento da dupla, a razão de descida da aeronave aumentava.
A despeito dos avisos de “Sink Rate” e “Pull Up”, nada foi feito para recolocar a aeronave no seu perfil ideal e dois minutos mais tarde ela afundava a uma razão de 4000 pés por minuto.
A 2.700 metros e onze segundos da pista do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, às 11h54, um grito do engenheiro de voo sinalizou a aproximação de Ronaldo com a morte anunciada.
"O avião está muito baixo, vai bater", gritou Giseido Constantino. Um palavrão antecedeu a uma intensa gritaria, o zumbido forte de um alarme e o silêncio total.
O Boeing colidiu com o solo três minutos antes do fechamento da pista, batendo nas casas e explodindo nas imediações da Avenida Otávio Braga de Mesquita, arrastando-se na área de um terreno ocupado por favelas do Jardim Ipanema, Vila Barros, em Guarulhos. Antes que uma segunda explosão, cinco minutos depois, consumisse o 707, uma equipe de voluntários da Brigada de Incêndio ainda teve tempo de se aproximar do Boeing caído. Dentro da cabine Ronaldo se debatia, esmurrava o vidro tentando escapar pelo para-brisa. Não houve tempo. Além de Ronaldo, do comandante Scanavach e do engenheiro de voo, outras dezenove pessoas morreram. Mais de cem ficaram feridas.
No momento da queda, a aeronave contava com aproximadamente quinze mil litros de combustível e incendiou-se imediatamente.
O Boeing prefixo PT-TCS arde em chamas antes de explodir Foto: Klaus Werner / Revista Veja |
Foi o quarto acidente grave em 1989 envolvendo um jato comercial - e décimo nos últimos doze meses, um dos períodos mais negros da historia da aviação, em que quase 700 pessoas morreram.
A queda do avião da Transbrasil alimentou também as suspeitas que sombreavam toda uma geração de jatos antigos, concebidos há mais de trinta anos e que, como o 707 acidentado em Guarulhos, ainda estavam em operação em várias partes do mundo.
Os "jatos geriátricos", como eram chamados nos Estados Unidos, emparelhavam-se com o terrorismo entre as preocupações principais das autoridades mundiais da aviação às voltas com uma época ingrata de transição tecnológica – uma fórmula perigosa que inclui aviões velhos, pilotos inexperientes e tráfego crescente.
Vamos avaliar agora, em mais detalhes, o que aconteceu, de fato, com o fatídico voo 801 da saudosa Transbrasil.
Estol
"O avião pendeu primeiro para a direita, depois para a esquerda e acertou com as asas e as turbinas dois pequenos prédios de um e dois andares", contou o pedreiro José Jardim, que consertava o telhado de um barraco na Vila Scynthila, o alvo do Boeing que ruiu.
"O avião deslizou lentamente, parecia um trem de metrô atravessando as casas", contou o fotógrafo Klaus Werner, que sobrevoava num helicóptero a cabeceira da pista do aeroporto e fotografou o Boeing quando ele começou a incendiar-se.
De cara, um falha do piloto foi apontada como a causa mais provável do acidente, segundo avaliação de técnicos em aviação e pilotos de longa experiência. O 707 cargueiro da Transbrasil voava a menos de 250 quilômetros por hora, a velocidade aproximada para um jato que está prestes a pousar.
Neste momento, o comandante e o copiloto já tinham iniciado a operação de check - cerca de dez instrumentos são observados a cada 3 segundos, além do contato com a torre e o radar meteorológico. Por descuido, o avião teria desacelerado de forma demasiada e perdido sua sustentação. No jargão dos aeronautas, ele teria "estolado".
As hélices das turbinas foram encontradas sob os escombros rachadas, numa evidência de que no instante da queda tentou-se arremeter o aparelho, acelerando ao máximo. Logo depois da queda, despontou a hipótese de que o 707 estaria voando a uma velocidade alta nas proximidades do aeroporto - a cerca de 500 quilômetros por hora - e o piloto fora obrigado a diminuir repentinamente o arranque.
Contra essa tese havia um fato inegável: o trem de pouso já havia descido, e numa velocidade exagerada ele arrebentaria. Também a torre de controle do aeroporto não registrou sinais dessa velocidade excessiva. Duas outras hipóteses, mais remotas, chamam a atenção dos técnicos. Havia indícios de que um dos spoilers, o freio aerodinâmico usado em terra e excepcionalmente no ar, teria sido acionado por engano. É possível, ainda, que as 26 toneladas de carga do 707 da Transbrasil tenham se soltado no interior do avião, provocando o desequilíbrio fatal.
Aprendiz no comando do 707
A presença de Ronaldo Oliveira no assento esquerdo, pousando o avião, não seria surpreendente se tudo tivesse corrido bem. É norma na aviação que copilotos, como Ronaldo, controlem os manches dos aparelhos, mesmo porque somente assim eles podem atingir o número necessário de horas de voo para serem promovidos a comandantes.Quando o aprendiz está pilotando, o comandante tem a obrigação de orientá-lo. Era exatamente assim que agia Dorival Scanavach. Ocorre que Ronaldo, com 3.500 horas de voo e dez anos de carreira, era um novato em 707. Acostumado a pilotar jatos 727, cuja velocidade de reação é superior à dos 707, ele teria superestimado o funcionamento das turbinas do avião que caiu.
O acidente com o jato da Transbrasil de prefixo PT-TCS foi o quarto da história do Aeroporto Internacional de Guarulhos, inaugurado em agosto de 1985 sob um manto de suspeitas. Na época, especialistas em aviação insistiam em dizer que ele fora construído num local onde a neblina constante inviabilizaria sua operação normal. Eram mesmo raros os dias em que o aeroporto não fechava por falta de visibilidade.
A tragédia serviu também para marcar a ferro e fogo a Transbrasil, uma empresa falimentar, e que desde 1987 estava sob intervenção do governo. "Ninguém irá deixar de apertar um parafuso por causa da intervenção, mas ela é uma usina de desânimo", disse na época Carlos Camacho, presidente da Associação de Pilotos da Transbrasil.
Estava previsto que a empresa desembolsaria 122.000 cruzados novos para indenizar cada uma das famílias das vítimas do acidente.
Turbina de um boeing no bar
No solo, o Boeing 707 da Transbrasil derrubou seis casas de alvenaria, sete barracos, dois prédios de apenas um e dois andares, e dois galpões comerciais.Em sua primeira colisão, ele fez duas vítimas fatais. No apartamento número 1 do prédio de dois andares da Avenida Otávio Braga de Mesquita, morreram a dona de casa Carmelina dos Santos Silva, 46 anos, e seu filho Fábio Veloso da Silva, de 2 anos. A asa esquerda do avião ficou cravada no segundo andar, enquanto uma das turbinas derrubou paredes, invadiu o apartamento e esmagou mãe e filho contra a parede.
"Parecia um vulcão", lembrou o comerciante Edson Concourd, dono do prédio de uma loja de móveis encravada no andar térreo. No pequeno edifício, ele alugava o apartamento para o cabeleireiro Jaime Nascimento, 31 anos, que estava no trabalho quando soube do acidente através de um amigo. "Aqui não moro mais", disse ele.
Jaime Nascimento em frente ao prédio destruído: "Aqui nunca mais" Foto: Antonio Milena / Revista Veja |
Na trilha da destruição, uma das turbinas voadoras pegou uma jovem de 21 anos de idade, Eliana de Souza, que uma semana depois do acidente completaria nove meses de gravidez. Ela saíra de casa para telefonar a um hospital em Guarulhos, à procura dos resultados dos exames pré-natais. Com eles, Eliana marcaria o dia e a hora do parto. Levada às pressas para o hospital, os médicos conseguiram fazer uma cesariana. A criança nasceu, mas sobreviveu por poucas horas.
A turbina encravada no bar do nissei Keigo Tenada: "Vi uma mulher ardendo em chamas" Foto: Antonio Milena / Revista Veja |
A turbina que a pegou continuou seu trajeto e derrubou a parede do bar e mercearia do nissei Keigo Tenada. "Saí correndo do bar, olhei para o lado direito e vi uma mulher pegando fogo", disse ele. Era Eliana.
A lição de voo do piloto Ronaldo terminara num mar de chamas, escombros e mortes.
Investigação do acidente
A análise da caixa-preta do avião foi realizada em Washington (Estados Unidos). Os últimos 30 minutos mais importantes de informações da caixa-preta estavam com ruídos.
A investigação do Departamento de Aviação Civil (DAC), na época, atribuiu a causa do acidente a falha humana — a tripulação teria cometido um erro de cálculo e aberto o speedbrake (freios aerodinâmicos).
Segundo consta, a pista de pouso do aeroporto seria fechada ao meio-dia para manutenção e, com isso, a tripulação procurou acelerar os procedimentos para conseguir pousar antes do fechamento.
Com isso, a aeronave foi perdendo altitude e sustentação e acabou por colidir com casas e um prédio baixo nas imediações da Avenida Otávio Braga de Mesquita, arrastando-se na área de um terreno ocupado por favelas do Jardim Ipanema, Vila Barros.
Segundo o brigadeiro Moreira Lima, então ministro da Aeronáutica, o Boeing-707 acidentado havia sido inspecionado pelo DAC (Departamento de Aviação Civil) dois meses antes e considerado perfeito.
A Transbrasil indenizou as famílias das vítimas sete meses após o acidente.
Revista Veja - Edição 1073
Pesquisa e edição de texto: Jorge Tadeu da Silva
Ficha técnica do desastre aéreo Transbrasil 801
- Data: 21.03.1989
- Hora: 11h54min
- Aeronave: Boeing 707-349C
- Operadora: Transbrasil
- Prefixo: PT-TCS
- Número de Série: 19354/503
- Primeiro voo: 1966
- Tripulantes: 3
- Passageiros: 0
- Partida: Aeroporto Internacional Eduardo Gomes (MAO/SBEG), Manaus, Amazonas
- Destino: Aeroporto Internacional de São Paulo (GRU/SBGR), Guarulhos, São Paulo
- Local da ocorrência: 2 km (1.3 mls) a oeste do Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos (GRU), SP
- Fatalidades: 3 tripulantes e 22 pessoas em solo
A aeronave PT-TCS
A Boeing 707 de prefixo PT-TCS envolvida no acidente em Guarulhos, era a mesma que havia sido utilizada nas filmagens do filme "Aeroporto", de 1970, e foi adquirida pela Transbrasil para transporte de carga.O PT-TCS, cargueiro, dotado de 4 motores Pratt & Whitney JT3D-3B, realizou seu primeiro voo em 09.06.1966, ou seja, na data do acidente estava com 22 anos e 10 meses de uso, tendo completado 61.000 horas de voo.
O Boeing 707-349C PT-TCS no RJ em julho de 1997- Foto: R. N. Smith Collection |
A aeronave Boeing 707
O Boeing 707 foi um dos primeiros aviões comerciais a jato. Foi produzido pela Boeing, que com esse modelo, passou a ser a maior fabricante de aviões comerciais do mundo.Até a década de 1950, a Boeing era uma fabricante sem muito expressão, entre as muitas existentes nos Estados Unidos. Era conhecida apenas por suas aeronaves militares, e na verdade, o 707 nasceu como um projeto de nave de reabastecimento, conhecida como KC-135A.
O Boeing 707 foi o primeiro a ter grande sucesso de vendas, bem como a primeira aeronave série 7X7 da Boeing. O seu principal concorrente era o Douglas DC-8 da ex-maior fabricantes de aviões comerciais, a Douglas.
O DC-8 se mostrou um formidável concorrente, porém o Boeing 707 vendeu mais de mil unidades, vencendo a disputa entre as duas fabricantes.
O 707 é um quadrijato, possuindo dois motores sob cada asa. A primeira linha aérea a operá-lo foi a Pan Am, realizando a rota Nova Iorque - Paris, em 26 de outubro de 1958.
O alcance do Boeing 707 é de aproximadamente 5.700 milhas náuticas, mn (10659 km), velocidade de cruzeiro de 815 km/h, e a capacidade de passageiros, de até 202 pessoas. O Boeing 737, o Boeing 727 e o Boeing 747 utilizaram muito da tecnologia do seu antecessor, e podem ser consideradas como descendentes diretos dele.
A produção do 707 começou em 1954 e terminou em 1978, embora as versões de uso militar tenham continuado em produção até 1991. A Boeing fabricou um total de 1.012 unidades do avião.
A versão 707-300 foi a de maior sucesso, com melhorias e novos motores.
Curiosidades
O ator John Travolta possui um Boeing 707.A operação do Boeing 707 é vetada na maioria dos aeroportos do primeiro mundo, pelo alto nível de ruído.
A primeira operadora no Brasil foi a Varig, que o fez seu principal avião nas rotas internacionais, até a chegada dos DC-10.
Também com um 707, a empresa brasileira protagonizou um dos maiores mistérios da aviação mundial: em 1979, o Voo Varig 967 decolou de Tokyo com destino a Los Angeles. A aeronave com prefixo PP-VLU desapareceu minutos depois, sem deixar rastros.
O Protótipo do Boeing 707, o 367-80 (Dash 80) durante voo teste - Foto: Boeing via AirlineReporter |
Trechos do Relatório Oficial do acidente
Tripulação:Um instrutor, um aluno (que era o PF no momento do acidente e possuía 21 horas no tipo) e um F/E.
Aproximação:
• Às 14h 53' 14'' UTC: O TBA 801 estava a meia milha do OM, alinhada com o localizador, a 278 KIAS, 4400 pés e configuração lisa;
• 53' 45'': trem em baixo, 269 KIAS;
• 53' 45'': passando o OM, 242 KIAS e 400 pés acima da rampa. Nesse momento o aluno pediu para que lhe fosse cantado o flap na velocidade ao que o instrutor respondeu o mandando comandar um mergulho e acionar o speed brake para não perderem a aproximação. A velocidade recomendada no OM para o 707 em um procedimento normal nessa condição é de 148 kt (VREF+20), trem baixado e flap 40º;
• 53' 54'': nove segundos após passar o OM o avião estava com 222 KIAS a 4450 pés;
• 54' 05'': cruzando 4200 pés, 209 KIAS, razão de 2300 pés/minuto;
• 54' 16'': cruzando 3670 pés, 200 KIAS, 2200 pés/minuto. Soa aviso de sink rate;
• 54' 18'': cruzando 3500 pés, 198 KIAS, 4200 pés/minuto. Soa aviso de pull up;
• 54' 29'': cruzamento da rampa do glide a uma razão de 3000 pés/minuto a 180 KIAS;
• 54' 33'': soa aviso de glide slope com o avião abaixo da rampa;
• 54' 40'': cruzando 2800 pés, 146 KIAS e 1350 pés/minuto;
• 54' 41'': ocorre um súbito aumento da razão de descida para 4000 pés/minuto levando à colisão;
Quando o TBA 801 passou o OM estava a 425 pés acima do glide slope e com a velocidade de 242 KIAS (1,6 vezes maior que a recomendada). A utilização do speed brake para desacelerar a aeronave não contrariava qualquer procedimento operacional.
Na sequência dos eventos o instrutor comandou o baixamento dos flapes e o piloto não percebeu que o instrutor havia se adiantado no procedimento. Os speed brakes não foram recolhidos.
Durante o check para o pouso o F/E não anunciou o item speed brake de acordo com a padronização da empresa. Apesar disso deu ênfase ao referido item, conforme se pode notar pela entonação de sua voz no CVR. No entanto, não recebeu resposta (call out), não insistiu e não verificou a execução do item. Assim, a tripulação perdeu a chance de corrigir o erro de manter o speed brake aplicado com o flap baixado antes da perda de controle.
O recolhimento do speed brake nessa configuração (trem baixado, flap 50º) provocaria uma atitude de pitch down bastante acentuado, que exigiria perícia e rapidez para ser bem sucedida no curto espaço de 1400 pés de altura disponível.
Pelo FDR, se pode perceber que o piloto usou o compensador em somente duas ocasiões: aos 52' 10'' e aos 53' 54'', por cerca de dois segundos cada uma.
A falta de compensação pode ser explicada por dois motivos diferentes: o pouco treinamento do piloto na aeronave e mudanças de configuração.
O compensador foi encontrado a 3.5 unidades. Essa medida foi considerada insuficiente para compensar o B707 na configuração de trem baixado e flap 50º, porém, sem o speed brake aplicado.
No vôo de ensaio foi constatado que abaixo de 160 kt, com uma compressão menor (cerca de 0 unidade) a força no manche tornava necessário o uso de ambas as mãos para controlar o momento de picar a aeronave.
A pouca sensibilidade nos comandos, acrescida da insuficiente compensação da aeronave, certamente contribuíram para as dificuldades do piloto em reconhecer a perda de controle.
Ao analisar as falhas de coordenação e padronização um aspecto merece especial destaque: a falta de um briefing específico para a realização do procedimento que estava sendo executado. A falta desse planejamento terminou por gerar improvisações, surpresas, despadronização, deteriorando, em última instância, a própria coordenação de cabine e segurança de voo.
Pelo CVR, a sete segundos do impacto, quando a perda de controle já era irreversível, o piloto perguntava: “É para usar speed brake?”. Essa interrogação deixou bem claro suas dúvidas quanto ao procedimento que realizava e sua dependência em relação ao instrutor.
O uso do speed brake mascarou a perda de controle, que sutilmente se apresentou na medida em que, com os flapes baixados, a velocidade decrescia até a brusca perda de controle.
Caracterizando a descoordenação de cabine, cerca de 28 segundos após o marcador externo, o instrutor solicitou um check, sem especificar qual deles. O F/E efetuou uma leitura misturando itens do approach com os do landing check, não ficando claro, devido à quantidade de avisos e interferências na gravação, se todos os itens foram executados.
Os itens relativos ao speed brake foram enfatizados pelo F/E, embora fora do padrão de leitura. O F/E fugiu ao seu padrão deixando de cobrar correta execução desse item, certamente pela urgência das ações.
Em função da rápida sucessão dos eventos, ficou notório que uma grande quantidade de itens do check não foram devidamente executados e cobrados, caracterizando uma despadronização generlizada, que terminou por conduzir o acidente ao seu ponto de irreversibilidade.
Conclusão
Fatos:
• O piloto aluno tinha pouca experiência de voo em comando (cerca de 300 horas no 727) e, particularmente, pouco treinamento no tipo B707;• O NOTAM 335D interditava a pista 09R (escolhida para operação do PT-TCS), a partir das 15:00 UTC;
• O controle da aproximação solicitou ao piloto que descesse em alta velocidade;
• A descida foi realizada em alta velocidade até o ponto em que controle informou a aeronave que esta se encontrava a meia milha do OM da pista 09R;
• Para desacelerar e descer ao mesmo tempo o trem de pouso foi baixado e o speed brake aplicado;
• Durante a desaceleração, o instrutor comandou o baixamento do flapes em conjunto com o speed brake, sem conhecimento prévio do aluno;
• A medida em que a aeronave era desacelerada a tripulação, sem perceber, perdia o controle da razão de descida;
• A altura disponível não possibilitou aos tripulantes a recuperação da perda de controle, que ocorreu três segundos antes da colisão com o solo;
• Caso a tripulação executasse o procedimento normal para pouso, o mesmo ocorreria antes do horário de interdição da pista em uso;
Fator humano:
• Aspecto psicológico: A iminente interrupção das operações no aeródromo que seria utilizado para pouso da aeronave estimulou o instrutor a efetuar uma descida às pressas, caracterizando um estado potencial de ansiedade;• Aspectos fisiológicos: Há indícios de que tenha contribuído no tocante a fadiga;
Fator operacional – Foi fator determinante para a ocorrência do acidente através dos seguintes aspectos:
• Deficiente instrução: A instrução ministrada ao piloto foi descontínua e o voo local não obedeceu aos mínimos previstos na IAC 3211;
• Deficiente supervisão: As falhas encontradas na instrução foram decorrentes de deficiente supervisão do setor de operações da empresa;
• Deficiente coordenação de cabine: Durante o procedimento de descida, sem consulta do check-list, o instrutor quebrou a sequência dos procedimentos padronizados deteriorando, com isso, a instrução e, consequentemente, a manutenção correta do voo pelo aluno;
• O instrutor, sem que o aluno fosse previamente informado, comandou os flaps em conjunto com o speed brake. Essa ação configurou uma atitude anormal que contribuiu, sem que os pilotos identificassem, para a perda de controle da aeronave;
• O engenheiro de voo falhou também no cumprimento dos itens do check-list;
• Fator piloto causado por outros fatores operacionais: o instrutor não seguiu a padronização da instrução, quando executou uma descida às pressas;
• A tripulação não reagiu aos sinais de aviso de razão de afundamento e de arremetida (“pull up”);
• Fator piloto causado por erro de aplicação dos comandos de vôo: a tripulação agiu em desacordo com norma operacional emitida pelo fabricante e endossada pela empresa;
• Outros (controle de tráfego aéreo): há indícios de que tenha contribuído para a elevação do nível de ansiedade dos tripulantes, através do controlador de voo, quando este utilizou-se de termos não definidos na legislação vigente.
Fonte: CENIPA
Fotos do Acidente
Reportagem no Youtube
Reportagem dos Jornais da Época
Fontes:
- http://www.desastresaereos.net/historia_18_Transbrasil_801_1.htm
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Voo_Transbrasil_801
- Revista Veja
- Mayday - Desastres Aéreos (Discovery Channel)
- https://aviation-safety.net/database/record.php?id=19890321-0
- http://www.airlinereporter.com/2011/08/photo-from-first-boeing-707-during-barrel-roll/
- Texto e edição de imagens por Jorge Tadeu da Silva
- Fontes de pesquisa: Revista Veja / ASN / Jornal do Brasil / Folha de S. Paulo / Wikipédia