Final approach: a Tragédia do Dan-Air 1008

Final Approach, Relato de Tragédia

A Dan-Air London era uma das maiores empresas aéreas especializadas em voos charter na Grã-Bretanha. Especializada em operações no Mediterrâneo, a companhia anualmente levava e trazia milhões de pessoas entre vários destinos na Inglaterra e países da Europa Meridional, sobretudo Portugal e Espanha.



No dia 25 de abril de 1980, o voo DA 1008 da companhia partiu lotado da cidade de Manchester, com 146 ocupantes, sendo oito tripulantes e 138 passageiros. O serviço foi operado por um Boeing 727-64, fabricado em 1966. Apesar da idade o jato, matriculado G-BDAN, não apresentava qualquer problema técnico. O destino final do Boeing era o aeroporto de Santa Cruz (TFN), na ilha de Tenerife Norte, enclave espanhol próximo à costa marroquina e situado a 2.993 km ao sul de Manchester, onde a aeronave deveria pousar depois de quase 3h30 horas de voo.

A partida foi absolutamente normal, ocorrendo com pequeno atraso as 09h22. A chegada, prevista para as 13h15, deveria igualmente atrasar um pouco. A aeronave então iria retornar com outro numeroso grupo de passageiros para Manchester, concluindo a jornada dos tripulantes naquele dia primaveril de sexta-feira.

Para decepção dos turistas britânicos, que haviam investido suas economias na compra de um pacote turístico na esperança de fugir das nuvens e chuvas da primavera em sua ilha, ao invés de um fim de semana ensolarado, Tenerife sofria a influência de uma massa de ar frio e úmido. Nuvens baixas, cuja base estava a apenas 120m de altura, ocasionavam chuva leve na parte norte da ilha, onde se situava o aeroporto. A temperatura era de apenas 16ºC e a visibilidade de 6km. De formação vulcânica, Tenerife apresenta montanha altas ao redor do aeroporto de Santa Cruz, fazendo com que a aproximação para o mesmo tenha que ser meticulosamente seguida através das cartas de navegação.

Algo que deveria, em teoria, ser tarefa fácil para o experiente comandante Arthur John Whelan, 51 anos e 15.299 horas de voo nas costas, sendo 1.912 horas como piloto de Boeing 727. E o que é muito relevante: o comandante Whelan já havia pousado 58 vezes em Tenerife, a última delas em 29 de janeiro de 1980, pouco menos de três meses antes daquela fatídica e chuvosa sexta-feira. A tripulação técnica era composta ainda pelo primeiro-oficial Michael John Firth, 34 anos, 3.492 horas de voo, sendo 618 no Boeing 727. Firth tinha 9 pousos em Tenerife. Finalmente, a tripulação era completada pelo engenheiro de voo Raymond John Carey, 34 anos, 3.340 horas de voo.

O voo transcorreu de forma normal. Após a partida, snacks e bebidas foram oferecidas e, minutos depois, um almoço quente foi servido em bandejinhas individuais. O clima no avião, lotado, era descontraído e leve. Afinal, um fim de semana sob o sol da ilha espanhola em meio ao azul do Atlântico era uma visão onírica. Logo, porém, o tão sonhado fim de semana de sol ganharia matizes sombrios.

Após contactar o centro de Las Palmas, nas ilhas Canárias, o primeiro oficial Firth foi instruído a contactar o centro de aproximação de Tenerife. No rádio, naquele dia, estava o controlador Justo Camin Yanes, também com 34 anos de idade.

O primeiro contato com o APP foi as 13h14:28. Firth anunciou que o voo 1008 estava livrando 11 mil pés a 14 milhas náuticas (25.9 km) da estação de VOR "TFN" (Tango Fox November). O controle então instruiu o voo 1008 para, após passar o fixo TFN, voar na radial 255 até interceptar outro fixo, o NDB conhecido como "FP" (Foxtrot Papa).

Porém, por razões que nunca serão esclarecidas, o 727 voava fora de rota, a 0.79 milhas náuticas a leste do VOR TFN. A tripulação somente reportou estar "bloqueando" TFN (sem de fato haver bloqueado) 33 segundos após passar por seu través; seguiu então em um rumo que, igualmente, não bloqueou o NDB "FP". Então, o Boeing começou a sobrevoar uma área cuja MSA (Minimum Safe Altitude) é de 14.500 pés. Há uma enorme discrepância entre o trajeto da aeronave e o procedimento padrão. As consequências desta série de erros crassos de navegação seriam trágicas. É chegada a hora de conhecer as últimas transmissões entre a aeronave e o controle.


Tragédia do Voo Dan-Air 1008

Cap: Comandante Whelan.
Cap-RDO: Transmissão de rádio do Comandante.
F/O: Primeiro-oficial Firth.
F/O-RDO: Transmissão de rádio do Primeiro Oficial.
F/E: Engenheiro de Voo Carey.
APP: Controle de aproximação de Tenerife.

13h16:18 APP: Dan Air 1008, desça e mantenha nível 60.
13h16:23 F/O-RDO: Ok, Dan-Air 1008 livra 110 para 60.
13h16:24 F/E: Reduzindo potência.
13h16:26 APP: Reporte distância DME?
13h16:28 F/O-RDO: Er, temos sete milhas DME do Tango Fox November. Por favor, informe QFE?
13h16:34 APP: Nove quatro três.
13h16:36 F/O-RDO: 943, muito obrigado.
13h16:59 F/O: Setenta milibares.
13h17:03 F/O: Feliz com isso?
13h17:04 Cap: Sim. Cruzando dez para seis mil, então.
13h17:06 F/O: Dez para seis mil.
13h17:07 F/E: Dez para seis mil.
13h17:18 Cap: Pode colocar o ILS aí do seu lado, pode pegar um rebloqueio aí para nos ajudar.
13h17:29 F/O: E é 312, certo?
13h17:31 Cap: Sim.
13h17:33 APP: Dan-Air 1008, para sua informação, QFE para pista 12 agora é 941.
13h17:39 F/O-RDO: Entendido, 941, muito obrigado.
13h17:41 F/E: É isso que eu esperava pelos meus cálculos.
13h17:52 Cap: Eu não vou seguir o procedimento completo (NE: de aproximação) porque ele nos leva longe, para fora, para os lados do oceano.
13h18:48 F/O-RDO: Dan-Air 1008, para sua informação, acabamos de passar TFN e agora na proa do, er... do Fox Papa.
13h18:54 APP: Entendido, er, para sua informação, a aproximação padrão sobre o Fox Papa é proa uno cinco zero, curve à esquerda. Chamarei novamente em breve.
13h19:01 F/O-RDO: Entendido, Dan-Air 1008.
13h19:05 Cap: Ok, aproximando para 150 a esquerda.
13h19:07 F/O: 150 a esquerda, sim.
13h19:09 Cap: Aproximação esquisita para a pista... Uma milha para o FP.
13h19:12 F/O: Uma milha.
13h19:13 F/E: Uma milha.
13h19:17 F/O: Bem, eu... Bem, deve ser assim (NE: esta aproximação) mesmo.
13h19:27 Cap: Vou virar diretamente à esquerda para a proa 150 assim que sobrevoar o FP.
13h19:28 F/O: Ok.
13h19:33 Cap: A única coisa é que... é melhor fazermos isso agora pois já devemos ter passado... (Risos) Já estamos muito em cima (NE: do "FP").
13h19:37 F/O: Quer a outra para aproximação no FP, como se nós fossemos orbitar?
13h19:40 Cap: Ok, faça isso, como se fosse para entrar na órbita.
13h19:51 F/O-RDO: Dan-Air 1008 no Foxtrot Papa, nivelado em 60, entrando na órbita.
13h19:57 APP: Entendido.
13h20:02 F/E: Esta é a quantidade de combustível.
13h20:12 F/O: Que aproximação estranha essa, não acha?
13h20:14 Cap: Sim, não está, não é paralela com a pista ou coisa nenhuma.
13h20:20 F/O: Bem, é por aqui, não é?
13h20:24 F/E: Isto é um três, não é?
13h20:25 F/O: Bem, então a órbita seria por aqui, não é?
13h20:26 APP: Dan-Air 1008, liberado para cinco mil no QFE e QNH.
13h20:33 F/O-RDO: Dan-Air 1008 liberado para cinco mil no uno zero uno três, Dan-Air 1008.
13h20:39 APP: Afirmativo.
13h20:41 Cap: Ei... Ele disse 150 na aproximação, disse?
13h20:46 F/O: É, na aproximação.
13h20:47 Cap: Isso... Eu não estou gostando disso.
13h20:49 F/O: Ele quer que continuemos curvando, não é?

Nesse momento, ouve-se no CVR o início do alarme de proximidade de solo, o GPWS. Seguindo à regra os procedimentos em casos assim, o comandante Whelan abandonou a aproximação e começou a arremeter.

13h20:50.6: Início do alerta de GPWS a bordo da cabine.

13h20:52 Cap: Ok, arremetendo.
13h20:56 Cap: (Irritado) Ele (NE: o controlador) está nos direcionando para cima das montanhas!
13h20:57 F/O: É!

O Boeing voa em meio às nuvens, sem qualquer referência externa visual. Não há uma única imagem de fora da aeronave que permitisse aos pilotos uma melhor compreensão do quão fora de lugar estava a aeronave. Desconfiado, Whelan aplica potência aos rês motores do jato, mas, talvez tenso pela situação, esquece de recolher flaps, o que teria efetivamente ajudado o Boeing a ganhar mais altura. A tensão que Whelan sente pode ser também percebida pela curva fechada que começa a executar com o Boeing. A inclinação da aeronave sobre seu eixo longitudinal cresce rapidamente, até atingir quase 45 graus. Whelan inicia o que se chama de manobra evasiva, já certo de que ele e os demais ocupantes do Boeing corriam grave risco.

13h21:00.5: Cessa o som do alerta de GPWS a bordo da cabine.

Neste exato momento, o Boeing começa a sobrevoar um vale, o que automaticamente desliga o sistema do GPWS. O comandante Whelan acredita que sua manobra foi suficiente para salvar a aeronave. Um pouco mais aliviados, os tripulantes passam a estudar com atenção o procedimento de arremetida.

13h21:03 F/O: Sugiro uma proa de 122 para prosseguir direto na arremetida.
13h21:07 F/E: (tenso) Ele está nos levando para cima das montanhas!
13h21:08 F/O: É!

Irritado, assustado, o comandante Whelan agarra o microfone e chama o controle de aproximação.

13h21:13.5 Cap-RDO: Dan-Air 1008, tivemos aqui um aviso de GPWS.

O Boeing e seus 146 estavam condenados. Voando em meio às nuvens baixas, o jato prosseguia velozmente, às cegas, em uma proa que o levava diretamente contra as montanhas. Antes que o controle de solo pudesse responder alguma coisa, ainda houve tempo na cabine de comando para o CVR gravar as últimas frases ouvidas a bordo. A curva que o 727 executa é ainda muito fechada, o que causa espanto ao engenheiro de voo Carey, que, seguindo procedimento padrão na Dan-Air, informa ao piloto que a curva excede 30º de inclinação:

13h21:16.5 F/E: Excesso de inclinação! Excesso de inclinação!

Da escuridão, de repente surgiu em meio aos visores do jato a horrível visão do solo, a algumas dezenas de metros de distância: uma encosta coberta de pinheiros, que logo seriam obliterados pela força descomunal do impacto. Menos de dois segundos depois, o Boeing desintegrou-se completamente.

13h21:18: Fim da gravação.

Nesse exato instante, em uma velocidade calculada de 300 nós, com o nariz erguido para cima em cinco graus e a asa direita 40 graus abaixo do horizonte, o Boeing 727 G-BDAN colidiu contra uma elevação de 5.450 pés. A desintegração da estrutura foi instantânea e violentíssima. A parte adiante das asas foi completamente destruída. A cauda, parte da asa direita e os três motores prosseguiram mais alguns segundos morro acima, devastando tudo que encontravam à frente. O impacto foi de tal magnitude que na área da colisão inicial, uma pequena avalanche levou morro abaixo partes do jato, seus ocupantes, árvores e rochas. Um incêndio devastador seguiu-se, destruindo ainda mais o que já seria uma tremenda carnificina.

Devido ao mau tempo e ao fato do jato estar fora da rota prescrita, equipes de busca e salvamento só chegaram ao local por volta das 20h00. Não havia nada a fazer, a não ser isolar o local. O resgate começou as 07h00 do dia seguinte, um sábado. O quadro encontrado pelas equipes era devastador. Destruição total, com poucas partes identificáveis que pudessem indicar que aquele monte de metal retorcido um dia havia sido um elegante jato comercial. Nenhum dos ocupantes seria identificado nas semanas seguintes sem o intenso trabalho de experts forenses. Os corpos dos pilotos jamais foram efetivamente identificados, o que impediu a análise toxicológica dos mesmos.

O fato é que nunca saberemos o que levou um profissional experiente como Athrur John Whelan inicialmente a aceitar um procedimento diferente da aproximação padrão e, em seguida, a cometer uma série de erros tão flagrantes na aproximação de um aeroporto que ele conhecia tão bem. Também é difícil entender porque a tripulação britânica aceitou do controlador espanhol uma sequência de instruções truncadas, incompletas, expressas em desacordo com a fraseologia padrão. E pior ainda, porque os tripulantes do DA1008 não trataram de esclarecer suas dúvidas quanto à aproximação. Finalmente, ficou claro a má qualidade do trabalho em equipe entre os pilotos, área que nos anos seguintes receberia grande atenção e que hoje é motivo de muito treinamento: o programa conhecido pela sigla CRM, Cockpit Resource Management.

A tragédia do Dan-Air 1008 entrou para os anais da aviação tendo como principal causa uma triste e velho fator no universo da investigação de tragédias aéreas: a clássica "Falha humana."

Fotos, Vídeos e Informações da Tragédia do Dan-Air 1008






Tragédia no Dan-Air 1008 Acidente Desastre

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Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.

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