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Morte no Nevoeiro - a Tragédia do Surinam 764

Relato de tragédia de avião da Blackbox do Jetsite

Na noite de 6 de junho de 1989, em meio a um mar de jatos azuis e brancos da KLM, um DC-8 amarelo e laranja da Surinam Airways iniciou o táxi no movimentado aeroporto de Amsterdam - Schiphol. Era uma noite fechada, mas de temperatura amena na principal cidade da Holanda. Minutos depois, as 23h25 (local) o voo PY 764 decolou normalmente com destino a Paramaribo, capital do Suriname, antiga Guiana Holandesa. Os laços entre a matriz e a antiga colônia faziam desta a mais movimentada rota da empresa. A companhia empregava nessa rota um ultrapassado, ainda que confiável Douglas DC-8-62. A aeronave, um jato quadrimotor de primeira geração, não teria dificuldade em transpor os 7.317 km que separavam os dois aeroportos. E, depois da travessia noturna do Atlântico, deveria pousar no Johan Adolf Pengel International - Zanderij International Airport - na madrugada do dia seguinte.



A travessia oceânica transcorreu sem qualquer anormalidade. O veterano jato, entregue novo de fábrica à Braniff Airways em 1969, cruzou o Atlântico mais uma vez, como vinha fazendo desde que havia sido entregue. Tinha realizado com segurança 20.432 vôos, em um total de 52.706 horas. A tripulação técnica era composta pelo comandante Will Rogers, primeiro-oficial Glen Tobias e pelo engenheiro de voo Warren Rose. Todos eram norte-americanos e se conheciam bem, tendo voado várias vezes juntos. Seis comissários (as) cuidavam da cabine, onde estavam 178 passageiros, lotação máxima da aeronave.

Após quase cinco horas de viagem, a tripulação solicitou e recebeu as condições climáticas previstas previstas para a hora da chegada. A visibilidade encontrava-se prejudicada: apenas 900 metros em meio a denso nevoeiro. Havia apenas dois octas de cobertura de nuvens, cujas bases estavam a 400 pés sobre o terreno. O vento era calmo. A previsão anteriormente obtida pelos pilotos indicava mais de 6 km de visibilidade, o que pegou os pilotos de surpresa. Os tripulantes do PY 764 foram orientados para prosseguir em uma aproximação por instrumentos através do VOR/DME (VHF Omnidirectional Range / Distance Measuring Equipment) para a pista 10.

Apesar das instruções para pouso na pista 10 usando o procedimento de VOR/DME, a descida foi iniciada usando como auxílio o sistema de ILS/DME (Instrument Landing System/DME). Todo piloto experiente sabe que o sistema ILS não deve ser empregado como auxílio à navegação, pois sua função primordial é justamente a de auxiliar na aproximação final. Muitas vezes, estes equipamentos estão desajustados, ainda que levemente, o que significa que suas emissões de sinais podem não ser absolutamente confiáveis. Assim mesmo, desconfiados, os pilotos prosseguiram na aproximação usando o ILS. As conseqüências desta grave violação das normas operacionais você vai ver a seguir, quando entraremos a bordo do cockpit do DC-8.

Cap: Comandante
Cap-RDO: transmissão de rádio do comandante ao solo
F/O: primeiro-oficial
F/O-RDO: transmissão de rádio do primeiro-oficial
F/E: engenheiro de vôo
GPWS: Ground Proximity Warning System
TWR: Paramaribo Tower

Tragédia no Voo 764 d Surinam Airways

Cap:Me avise ao capturar a radial, ok?
F/O: Okay, capturada. Mantenha curva a trinta graus e você vai estar ficar certinho.
F/O: Mantenha os 30 graus.
F/E: Dois mil pés, e rápido.
Cap: Hem?
F/O: Atingindo dois mil pés, dois mil pés.
Cap: Okay.
Cap: Quer dizer que é para manter dois mil pés?
F/O: Não, apenas ao interceptar a radial 103.
Cap: Agora?
F/O: É para manter a 10 graus de onde estamos. Mas, bem, estaremos ok assim mesmo.
F/O: Agora você está na 103 do VOR.
F/E: Uno zero três inbound.
F/O: 103.
F/E: Ou 104?
F/O: É 103. Ah, desculpe, 104.
Cap: Okay.
F/O: 104.
Cap: Qual a distância?
F/O: Nós temos...
Cap: Qual a nossa distância?
F/O: Deixa eu ver aqui no DME.
Cap: Okay.
F/O: Pista a 13 milhas.
Cap: Okay.
Cap: Entrando no localizador agora.
F/O: Treze milhas DME.
F/O: Pista diretamente à frente, doze horas.
F/O: Okay.
F/O: Doze milhas DME.
Cap: Certo.
TWR: Suriname 764, vento calmo, livre pouso.
F/O-RDO: Livre pouso, Suriname 764.
F/O: No localizador.
TWR: Você vê as luzes da pista?
F/O-RDO: Afirmativo.
TWR: Entendido.
F/O: Hum, tem um pouquinho de nevoeiro de solo aí, um pouquinho só.
F/O: Okay, vamos descendo. Está vendo a pista?

O comandante mantêm a máxima concentração e não desgruda os olhos dos instrumentos. Talvez por isso não responda à pergunta do primeiro oficial, que comenta a seguir para si próprio:

F/O: Bem, eu estou vendo.
F/O: Glideslope capturado.
Cap: Descer trens de pouso.

O gravador de cabine capta o som dos trens de pouso sendo abaixados.

Cap: Não consigo capturar este FDP...
F/O: Nem eu.
Cap: É.
F/O: Paciência.

Mais alguns segundos preciosos se passam. O comandante não solicita o check pré-pouso. O engenheiro de voo toma a iniciativa:

F/E: Altímetros regulados, flaps e slats em configuração?
F/O: Vinte e três é o flap.
F/E: Três verdes, trem baixado e travado.
F/E: Ok.
Cap: Flaps 35.
F/E: Spoiler armado, ignição acionada.
Cap: Flaps 35.
F/E: Final flap acionando, comandante.
Cap: Okay, homem.
F/O: Ah, está desviando ligeiramente para a esquerda.
F/O: O ILS deve estar ligeiramente desregulado.
F/O: Está ligeiramente à esquerda da pista.
Cap: Se eu capturar o ILS já fico feliz.
F/O: Bem no glideslope. Um pouquinho acima.
Cap: Não consigo capturar o glideslope.
F/O: Ah, mas eu não confio mesmo nesse ILS.
Cap: Aí está. Capturando.
F/O: Eu acho que. Parece que você está um pouco alto.
Cap: Agora está tudo okay.
F/O: Está ligeiramente à esquerda da pista.
Cap: Okay.

O jato está a verdade abaixo do que deveria estar. O nevoeiro lá fora, em meio à escuridão da noite, reduz drasticamente a visibilidade externa. Os pilotos passam a confiar sobretudo nos instrumentos para orientação. O Ground Proximity Warning System (GPWS), ligado ao rádio-altímetro, no entanto, cumpre seu papel e soa seu alarme, informando em alto e bom som que a aeronave voa fora da rampa ideal de planeio, o "Glideslope". Sinal de que a aproximação não estava estabilizada, portanto, não estava segura. A despeito disso, o comandante prossegue descendo com o jato, provavelmente tentando "furar" a camada de nevoeiro.

GPWS: Glideslope!
F/O: Quinhentos pés (acima do terreno).
GPWS: Glideslope!
GPWS: Glideslope!
F/E: Merda!
Cap: Diga a ele para acender as luzes da pista!
GPWS: Glideslope!
F/O: Glideslope.
Cap: (impaciente) Daria para pedir para aumentar a intensidade das luzes na pista?
GPWS:Glideslope!
F/O: Como?
Cap: Peça à torre para aumentar a intensidade das luzes na pista!
F/O-RDO: Torre, teria como para aumentar a intensidade das luzes?
TWR: Imediatamente.
F/O: Trezentos pés.
Cap: Merda.
F/O: Duzentos pés.
Cap: Okay, MDA! -

Nesse instante, o comandante percebe que precisa manter a MDA - Minimum Descent Altitude - altitude mínima para aproximação, calculada para cada pista, em cada aeroporto do mundo. No caso de Paramaribo, a MDA é de 260 pés acima do nível do mar. Em aproximação pelo VOR-DME, a altitude mínima, também desrespeitada, é de 560 pés, há muito ultrapassda. Naquele instante, já era tarde demais. O DC-8 estava voando muito baixo.

Cap: Vou nivelar aqui mesmo nesta altitude...
F/O: Cento e cinquenta pés.

O desconforto da situação é evidente para os dois outros tripulantes na cabine de comando. O primeiro-oficial, no entanto, não faz qualquer sugestão. Já o engenheiro de voo, profissional mais experiente e posicionado imediatamente atrás do comandante, percebe que o jato voa muito baixo. Ele não demonstra qualquer hesitação em dar voz à sua opinião. Simplesmente grita ao comandante do voo 764:

F/E: Suba!
Mais dois segundos se passam, até que o CVR registra o som do primeiro impacto do DC-8 contra uma árvore. O motor 2 é arrancado na colisão, que ocorre 25 metros acima do solo. No instante seguinte, ouve-se nitidamente o som do stick-shacker atuando sobre as colunas de comando do DC-8. Esse som começa e continuará até o final da gravação. O engenheiro de voo continua a gritar ao comandante:

F/E: Suba! Suba!

A aeronave perde ainda mais altitude e velocidade com o primeiro impacto. A seguir, é a asa direita que colide contra árvores. Esse segundo impacto desestabiliza por completo a aeronave, que gira sobre seu eixo longitudinal. A aeronave em questão de pouco mais de um segundo fica invertida, de barriga para cima. O engenheiro olha para fora e, ao ver o terreno aproximando-se, comenta, simplesmente:

F/E: É isso. Estou morto.

No segundo seguinte, exatamente as 04h27, o Douglas DC-8 colide contra o solo, fragmentando-se súbita e violentamente. Dos 178 passageiros e nove tripulantes, apenas 11 passageiros escapariam com vida, ainda que gravemente feridos.

Após o acidente, o governo do Suriname instaurou uma Comissão Investigadora. Esta estudou o primeiro e maior desastre aéreo da história da companhia aérea de bandeira do país, fundada em 1954. Após mais de um ano, o estudo foi publicado, determinando as causas prováveis do acidente:

"A Comissão determinou que: a) Como resultado da absoluta falta de cuidado e atenção do comandante da aeronave, o jato desceu abaixo da altitude mínima de segurança durante a aproximação, até colidir com uma árvore. b) Um fator contribuinte foi a falta de critério dos administradores da área operacional da Surinam Airways ao não reforçarem, junto aos seus tripulantes, a observação estrita dos procedimentos constantes nos manuais de voo, bem como às práticas percebidas no que diz respeito à recrutamento e seleção de membros para suas tripulações."

A companhia aérea havia assinado um contrato com a empresa ACI - Air Crew International, que assumiu a responsabilidade de treinar a fornecer tripulantes para os vôos da empresa aérea do Suriname. No caso, o comandante deste voo já havia sido suspenso por irregularidades e não cumprimento de regras básicas em diversas ocasiões. Pior: com 66 anos de idade, simplesmente não poderia ocupar um assento na cabine de comando. A legislação local proibia a operação de pilotos com mais de 60 anos.

Também foi divulgado que durante o voo, a tripulação mais do que uma vez manifestou receio em relação à quantidade de combustível remanescente na fase de chegada. Embora as transcrições da caixa preta não deixem esta questão aparente, este foi um fator contribuinte. Afinal, a "Síndrome de Chegar Em Casa" mais uma vez parece ter sido fator contribuinte para a tragédia. Nota-se também pela transcrição do CVR que o primeiro oficial pouco fez para alertar, de forma mais clara e contundente, as flagrantes violações dos procedimentos usuais de cabine. A ausência de um check pré-pouso é apenas um dos muitos sinais de que o comandante da aeronave pode ter mostrado excesso de confiança em suas habilidades, em detrimento de manter a si e aos seus comandados dentro das rotinas recomendáveis para uma aproximação em condições favoráveis, como foi aquela do voo PY 764. Ao final, percebe-se que falhas individuais e sistêmicas, combinaram-se para formar uma armadilha mortal para os infelizes ocupantes do jato da Surinam Airways.

Fotos da Tragédia do Voo 764 da Surinam Airways

Tragédia do Voo 764 da Surinam Airways

Tragédia do Voo 764 da Surinam Airways
Memorial para as vítimas do Voo 764


https://en.wikipedia.org/wiki/Surinam_Airways_Flight_764

Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.

AC 621 - Tragédia no Galaxy Flight (Relato da Blackbox do Jetsite)

Relato da Blackbox do Jetsite


Cinco de julho de 1970. Um maravilhoso domingo de verão, quente e ensolarado em Toronto. O céu azul sem nuvens e a temperatura que subiria até a casa de 27ºC, deixavam os ânimos lá em cima. Naquela manhã, aproximava-se da cidade um jato novíssimo, com menos de dois meses de serviço. Era um quadrimotor DC-8-63. Havia sido entregue pelo fabricante Douglas à Air Canada em 30 de abril de 1970. Contava com apenas 453 horas totais de voo enquanto aproximava-se do aeroporto. Era um DC-8-63, matriculado CF-TIW. Maior jato da empresa naquela época, operava o voo AC 621 entre Montreal e Los Angeles, com apenas esta escala em Toronto. Como era costume na época, serviços mais prestigiosos recebiam "nomes de fantasia". No caso, o voo 621 era chamado pela empresa de "Galaxy Flight", pelo fato de levar sempre a bordo muitas "estrelas de Hollywood."



Voo e Tragédia da Air Canada 621

O "Galaxy Flight" daquela manhã decolou as 07h17 do aeroporto de Montreal - Dorval International (YUL), na província de Quebéc, Canadá. As portas foram fechadas com 100 passageiros e nove tripulantes. No comando, um piloto experiente e respeitado pelos seus colegas: o comandante Peter Hamilton, veterano da Segunda Grande Guerra. Sua frieza e sangue frio talvez fossem originários das provações por que havia passado no conflito: foi abatido em seu Spitfire e feito prisioneiro em um campo de concentração na Alemanha. Sobreviveu ao fim da guerra e entrou para a antecessora da Air Canada em 1946. Tinha mais de 3.000 horas de voo no DC-8.

Naquele vôo, Hamilton era secundado pelo primeiro-oficial Donald Rowland, 7.000 horas voadas na empresa sendo 5.500 no quadrijato da Douglas. O segundo oficial trabalhando como engenheiro de vôo era Gordon Hill, com 1.045 horas voadas nos DC-8 da Air Canada. Na noite anterior, a tripulação, baseada em Toronto, havia operado apenas um trecho entre Toronto e Montreal, onde pernoitaram. Havia também seis comissárias trabalhando no vôo, duas delas grávidas. Os nove tripulantes levariam o DC-8 até Los Angeles, onde terminariam a sua jornada.

O domingo de sol radiante deixava a atmosfera ainda mais descontraída no portão 27 do aeroporto. Nada menos que 125 passageiros aguardavam a chegada do vôo 621 para embarcar no jato e prosseguir para Los Angeles. Enquanto aguardavam, alguns olhavam pelas janelas do terminal. Muitos avistaram o jato vermelho e branco que aproximava-se da pista 32: era o DC-8 que iria levá-los à Califórnia. Nos segundos seguintes, quando o jato estava a pouco mais de 20 metros de altura sobre a pista, algo de anormal aconteceu.

Spoilers são superfícies de controle que ficam no dorso das asas. Quando abertos, projetam-se para cima, em posição quase vertical. Criam enorme arrasto e consequentemente, diminuem a sustentação da asa. Portanto, se acionados em vôo, fazem a aeronave perder altura rapidamente. Em solo, os spoilers servem para diminuir a velocidade de corrida durante o pouso.

No caso dos DC-8, a Air Canada tinha ordens claras sobre sua utilização: eles deveriam ser "armados", isto é, destravados e colocados prontos para utilização no início da aproximação final, no momento da realização do check pré-pouso, o "Before-Landing Check."

Na prática, isso nem sempre acontecia. Muitos tripulantes deixavam para armar os spoilers somente no momento do arredondamento final (flare), alguns segundos antes do pouso. Desta forma, raciocinavam eles, a possibilidade de acionamento involuntário dos spoilers durante o vôo seria reduzida. Esse procedimento claramente desrespeitava os manuais de operação. Era um dos famigerados "macetes" que pilotos criam de maneira a (no entender deles) aumentar a segurança da operação. Ou apenas para torná-la menos trabalhosa.

Até porque os pilotos já haviam percebido que a alavanca de destravamento e acionamento dos spoilers, pela sua maneira de atuar, permitia mesmo que tripulantes, por engano, acionassem as superfícies ainda em vôo. Incidentes sérios com acionamento de spoilers em vôo em aeronaves DC-8 já haviam ocorrido em outras ocasiões. Esses casos apenas "reforçavam" aos pilotos a sensação de que seus macetes eram, afinal, decisões sensatas.

O problema é que macetes não constam de manuais. Não estão escritos e publicados em lugar algum. E qualquer procedimento que fuja aos padrões e normas operacionais, fatalmente leva a diferentes interpretações - sempre com conseqüências nefastas.

O caso a seguir é um perfeito exemplo. Tanto o comandante Hamilton como o primeiro oficial Rowland usavam deste expediente. A diferença é que Hamilton gostava de armar o spoiler somente durante o flare. Já Rowland preferia armar e acionar o spoiler somente em solo. Em vôos anteriores em que os dois pilotos haviam voado juntos, este havia sido motivo de discussão. Como Hamilton era o comandante, sua opinião normalmente prevalecia. Assim, ele sempre instruía Rowland a armar o spoiler com o jato ainda no ar, segundos antes do pouso, e acioná-lo somente após o toque na pista.

Neste vôo especificamente, Hamilton concordou que Rowland poderia armar e acionar os spoilers em solo. Era isso que havia sido combinado no vôo 621. Mas o que nenhum dos dois poderia prever é que um terrível engano de Rowland levaria o vôo 621 a um trágico final. Entraremos agora na cabine do CF-TIW, para ver o que aconteceu com o DC-8 e seus 109 desafortunados ocupantes.

Cap: Comandante Peter Hamilton
F/O: Primeiro-oficial Donald Rowland
F/O-RDO: Transmissão de rádio do primeiro-oficial
S/O: Segundo-oficial Gordon Hill
TWR: Torre do aeroporto de Toronto
APP: Controle de aproximação
DEP: Controle de saída

F/O: Lindo dia.
Cap: Belíssimo.
F/O: Não é alí que o fulano vive? Como chama essa área? High Park?
Cap: Ah.
F/O: Aqueles apartamentos alí, está vendo? Aqueles prédios alí.
F/O: Ah, sim. Linda vista do lago naquela área.
S/O: Ah, mas morar em Toronto é caríssimo. Preços de outro mundo.
F/O: Sim, é caríssimo mesmo. Muita gente ganhou muito dinheiro com isso.
Cap: Acho que sim.

O vôo 621 é chamado pelo controle de aproximação e autorizado a prosseguir rumo à pista 32.

APP: Air Canada 621 está autorizado para o ILS para a pista 32. Curva à direita, proa 230 e 4 milhas para interceptar a final.
F/O-RDO: Entendido, 230.
APP: Você está agora a 3,5 milhas do marcador externo.
F/O-RDO: 621.
Cap: Before landing checklist.
F/O: 2975.
APP: 621 curva a dieita proa 28. Três milhas para o marcador externo.
F/O: Cheque três verdes. Pressão nos quatro. Spoilers.
F/O: Não. (incompreensível) nas verdes.
Cap: Certo. Ok, arme os spoilers então no flare. Eu desisto de lutar com você...
F/O: (risos)
Cap: Eu desisto de lutar com você.
S/O: Painel de combustível checado.
Cap: Obrigado.
Cap: Flap 35.
F/O: Trinta e cinco.
F/O: 142.
APP: Air Canada 621 curva à direita para o 310 para interceptar o curso reverso (back course). Voe na proa 187 e tenha um bom dia.
F/O-RDO: Manterá 310. Bom dia.
F/O-RDO: Torre Toronto, Air Canada 621 em aproximação.

A caixa preta registra o som dos motores sendo acelerados.

F/O: Agora é tarde...
Cap: Sim.
F/O: Surpresa... (incompreensível).
Cap: Landing flap.
F/O: 129.
Cap: 134.5.

A caixa preta registra o som dos motores sendo acelerados.

F/O-RDO: 621 no marcador externo.
TWR: Entendido, 621. Confirme trem baixo e travado.
F/O: Trem baixo.
S/O: Spoilers para armar no (incompreensível).
Cap: Ok, obrigado.

Mais uma vez, a caixa preta registra o som dos motores sendo acelerados.

Cap: (assobiando) Ho Ho Ho... Exatinho no VASIS. Mas estamos um pouco abaixo no glideslope.
F/O: Você está indo bem.
Cap: Vai ser um pouso um pouquinho duro. Olhe para aquela coisa lá na pista.

O comandante refere-se a um jato ainda acelerando na pista e produzindo muita fumaça ao decolar. A caixa preta registra o som dos motores sendo desacelerados.

F/O: Olhe para aquilo. Está deixando uma cortina de fumaça para você, apenas para aumentar a emoção.
TWR: 621 livre pouso, pista 32.
F/O-RDO: 621.
Cap: Meu pouso será por instrumentos agora. Hê hê hê.
F/O: Temos uma verde. Nos VASIS parece que você está um pouco alto, mas aqui mostra você um pouquinho abaixo no glideslope. Vai usar toda a pista desse jeito.
Cap: Ah é!

A caixa preta registra o som dos motores sendo desacelerados. No segundo seguinte, sem se dar conta, o primeiro-oficial Donald Rowland não apenas arma como aciona os spoilers sobre as asas do DC-8. Numa fração de segundo, ele puxa a alavanca para cima e os spoilers são abertos sobre as asas. A sustentação é subitamente perdida e o jato afunda rapidamente rumo ao solo. O comandante Hamilton reage, assustado, aumentando a potência dos motores ao máximo. Essa ação fechou automaticamente os spoilers, mas já aí já era tarde demais.

Cap: Não! Não! Não!
F/O: Desculpe, ah, me desculpe, Pete!

Os 125 passageiros aguardando no portão 27 presenciam um espetáculo horrível. Das janelas do terminal, observam quando o DC-8 da Air Canada afunda e colide violentamente contra a pista. O choque com o solo é tão violento que o DC-8 volta ao ar, como uma pedra que bate na superfície de um lago e ricocheteia. O impacto danifica seriamente a aeronave. O motor número 4, na asa direita, é arrancado. Os tubos de alimentação de combustível que o alimentavam ficam expostos e, com o rigor da pancada, alguma faísca ou curto circuito ateia fogo ao combustível, que vaza sob a asa. Sem saber do vazamento, da perda do motor e do fogo na asa, o comandante Hamilton opta por iniciar uma arremetida. O primeiro-oficial Rowland não se conforma com sua falha.

F/O: Me desculpe, Pete!
Cap: Ok... Perdemos potência!
TWR: Air Canada 621. Percebemos que você está arremetendo. Pode chamar o controle de saída em 199 ou você prefere tentar retornar para a pista 5 direita?
Cap: Diga a ele que vamos arremeter. Acho que está tudo sob controle aqui.
F/O-RDO: Ok torre, vamos arremeter.
TWR: Ok, contate controle de saída.
F/O: Ok, freqüência 199.
Cap: Suba o trem de pouso por favor, Don.
A caixa preta registra o som do trem de pouso sendo recolhido.

F/O: E quanto aos flaps?
Cap: Flap 25.
F/O: Me perdõe... Aquilo foi... (incompreensível)
S/O: Perdemos o gerador do número 4.
Cap: Ok, desligue primeiro o cross-feed. Bom... (incompreensível).
Cap: Você não vai avisar o controle?
F/O-RDO: Centro Toronto. Air Canada 621 arremetendo na 32.
DEP: Air Canada 621 confirme que está arremetendo.
F/O-RDO: Afirmativo.
DEP: Ok, senhor. Por favor, diga suas intenções.
F/O-RDO: Ok. Gostaríamos de iniciar outro circuito para pouso na pista 32.
DEP: Pista fechada... Há destroços na pista. A melhor opção é pousar na 23 esquerda. Vento noroeste com 10 a 15 milhas. Curva à direita proa 070, mantenha 3.000 pés.
F/O-RDO: Curva à direita 070, 3.000 pés.
DEP: Afirmativo 621.

A situação a bordo começa a fugir ao controle. A tripulação do vôo 621 começa a perceber que a aeronave não havia passado incólume ao impacto contra a pista.

Cap: Perdemos o motor número 4.
F/O: Perdemos?
Cap: (incompreensível)
S/O: Combustível. Combustível!
Cap: Sim?
S/O: Combustível. Estamos perdendo!
Cap: Estamos?
F/O: Sim.
Cap: Ok, corte o motor número 4.
F/O: Motor número 4?
Cap: Sim.
F/O: Motor número 3?
Cap: Motor número 4!
S/O: Ok, cortar motor número 4.
Cap: O motor número 3 também está com problemas.
F/O: Está?
Cap: Veja você mesmo.
Cap: Está tudo pifando.

Haviam se passado exatamente dois minutos e meio desde que o DC-8 colidiu com o solo. O comandante Hamilton mal termina de dizer isso quando uma violenta explosão sacode a aeronave. A bordo da cabine de comando, os pilotos do Air Canada 621 agora estão visivelmente assustados.

F/O: O que foi isso? O que aconteceu, Peter?
Cap: É o motor número 4. Algo aconteceu com o motor número 4.
F/O: Oh, veja, nós... (incompreensível).

Seis segundos depois dessa primeira explosão, o combustível em ignição que jorra da asa do CF-TIW adentra um dos tanques da asa direita, que explode. O motor número 3 é arrancado de seu ponto de fixação e despenca ao solo. O DC-8 e seus 109 ocupantes estão condenados.

F/O: Pete, me desculpe!
Cap: Está bem.

Os controladores, alertados pela torre, percebem que a situação a bordo do DC-8 é dramática. Na clara manhã, o jato deixa um rastro de fumaça negra nos céus azuis.

DEP: 621, confirme as condições de sua aeronave, por favor.
Cap: Tivemos uma explosão!
F/O: Ah, nós, veja, nós... (incompreensível) estamos em chamas! Ah, meu Deus.

Os tripulantes tentam de tudo, mas o DC-8 não responde mais aos comandos. Passam-se apenas mais seis segundos, até que o Cockpit Voice Recorder (CVR) agora grava um som ainda mais apavorante: o ruído metálico, altíssimo e agudo, da asa direita partindo-se.

F/O: Nós perdemos uma asa!

Hamilton luta com os controles, tentando manter o DC-8 em vôo. Seu esforço é em vão. O DC-8 inicia um mergulho rumo ao solo. Seu nariz afunda, sua asa esquerda levanta-se em relação ao horizonte. O que resta da asa direita, em chamas, já não produz sustentação para permitir a continuidade do vôo. O jato perde altitude rapidamente e gira sobre seu eixo longitudinal, virando de dorso. O DC-8 despenca rumo ao solo a mais de 350 km/h, num mergulho vertical.

Nesse instante, os gravadores de bordo deixam de funcionar. A gravação chega ao fim. Eram 08h09 da manhã. O DC-8 levaria ainda mais alguns segundos para atingir o solo. Abriu uma cratera sobre uma bucólica plantação de rabanetes próximo à Woodbridge, 11 milhas ao norte do aeroporto. A destruição foi total e instantânea. Uma violentíssima explosão demoliu totalmente a aeronave.

O mais incrível desse trágico acidente é que o local da queda parece exercer um fascínio especialmente mórbido. A cratera aberta pelo DC-8 permanece até hoje lá, coberta por mato. O local, desde então abandonado, é frequentemente visitado por caçadores de "souvenirs." Estes ainda vasculham a área em busca de pedaços do jato. Muitas vezes, sem necessidade de cavar, encontram o que procuram: pratos, talheres e até pedaços de ossos foram recentemente retirados do local, provocando dor e revolta nos parentes e amigos das vítimas.

Meses depois, depois de outros dois acidentes envolvendo jatos DC-8 provocados pela mesma falha que vitimou o AC621, (felizmente sem vítimas fatais), a FAA - Federal Aviation Agency dos Estados Unidos - mandou instalar placas de aviso nas cabines de comando dos DC-8 com a seguinte recomendação: "DO NOT DEPLOY SPOILERS IN MID-AIR" (não acione os spoilers em vôo). O comentário sarcástico dos tripulantes da Air Canada era de que o texto da placa deveria ser: "NÃO DERRUBE ESTE AVIÃO".

A Douglas também executou uma mudança no projeto. O fabricante modificou o acionamento da alavanca do spoiler, incluindo uma trava adicional de segurança, de modo a impedir seu acionamento em vôo. Mas aí já era tarde demais para consolar as famílias das 109 vítimas do trágico "Galaxy Flight."

Fotos e Informações

Acidente da Air Canada Voo 621

Desastre da Air Canada Voo 621

Spoilers

Queda de avião

Tragédia da Air Canada Voo 621

Air crash

https://en.wikipedia.org/wiki/Air_Canada_Flight_621
https://aviation-safety.net/database/record.php?id=19700705-0

Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.