TG 311 - Colisão no Himalaia (Relato de Desastre da Blackbox do Jetsite)

Relato de Desastre Aéreo da Blackbox do Jetsite

Poucos aeroportos em todo o mundo oferecem tantas dificuldades operacionais do que o King Tribhuvan International Airport, maior aeroporto do Nepal. A despeito de sua péssima localização, rodeado pelas mais altas montanhas do mundo, é a única maneira de conhecer os majestosos Himalaias, que atraem milhares de turistas estrangeiros. Eles têm obrigatoriamente de utilizar este aeroporto que serve a Kathmandu, capital do país. O King Tribhuvan está situado num vale ao sul dos contrafortes iniciais da mais alta cadeia de montanhas do mundo. O fascínio dessas montanhas funcionou como um imã - uma armadilha fatal para os ocupantes de um Airbus da Thai Airways.



No dia 31 de julho de 1992, o Airbus A310-300 de prefixo HS-TID era operado pela empresa Thai, companhia de bandeira da Tailândia, entre Bangkok e Kathmandu. Com 99 passageiros e 12 tripulantes a bordo, o jato havia sido fabricado em 1987 e operava na Thai há pouco mais de dois anos. As condições de tempo eram típicas dessa época, início do período de monções: calor e umidade altíssima provocavam nuvens de três tipo: estrato-cumulus, alto-cumulus e cumulus nimbus, estes com seus topos a 40.000 pés, que combinadas obscureciam a visão dos majestosos picos sobrevoados. A visibilidade reportada no aeroporto de Kathmandu, situado a 4.390 pés de altura (1.338m) acima do nível médio do mar, variava de 3km a 10 km, com chuva leve.

O HS-TID decolou rotineiramente às 10h30 de Bangkok. Em condições normais, o voo duraria apenas três horas, com pouso estimado para as 12h30, horário local. As 12h10, a tripulação do HS-TID chamou o centro Kathmandu, reportando altitude de 35.000 pés, distância de 150 nm (nautical miles, milhas náuticas, onde 1 nm = 1.852m) e estimando o VOR "Romeo" (41nm de Kathmandu pela radial 202 do VOR) às 12h28. As 12h18, a tripulação do HS-TID chamou o controle de área de Kathmandu mais uma vez, pedindo autorização para iniciar a descida. O controle autorizou e reportou as condições de visibilidade naquele instante: apenas 1.500 m com chuva leve, pista em uso 20. A tripulação do Thai solicitou uma aproximação direta para a pista 02 (pelo sul) o que evitaria ter de se aproximar dos Himalaias e faria a viagem mais curta e mais segura: a aproximação para a pista 02 é feita quase toda sobre a planície de Terai. A torre de Kathmandu negou o pedido, reiterando que a "pista 02 estava inoperante devido à baixa visibilidade e chuva forte nas proximidades da reta final." Kathmandu instruiu o voo TG311 a rumar para o VOR Sierra, para iniciar a aproximação para a pista 20. A tripulação concordou e pouco depois reportou o cruzamento do fixo "Romeo" as 12h27 e cruzando 11.500 pés. Foi então instruída para voar direto para o VOR Sierra, a 10 nm de Kathmandu pela mesma radial 202.

Três minutos depois, a tripulação do Airbus solicitou nova confirmação de visibilidade e o controle de Kathmandu respondeu: "Agora a pista 02 também está disponível para pouso." Em seguida, o controle pediu que o Airbus da Thai reportasse a 25 nm de distância. A tripulação do TG 311 confirmou e então o controlador transferiu o TG311 para a torre de controle do aeroporto de Kathmandu. Após o primeiro contato, a torre autorizou o TG311 para a aproximação por instrumentos (STAR) Sierra, para a pista 02, aquela que a tripulação havia solicitado inicialmente, e que livraria o TG311 de se aproximar das montanhas. A torre também confirmou as condições de tempo: "Vento calmo, QNH 1010, temperatura 21ºC, 2.500m de visibilidade, chuva leve sobre o aeródromo. Reporte 10 DME (10 milhas náuticas de distância, informadas pelo DME - Distance Measuring Equipment) e livrando 10.000 pés."

A Tragédia com o TG 311 da Thai Airways

Nesse momento, começam a acontecer problemas sérios de comunicação entre o solo e a tripulação da Thai. É justamente agora que passaremos para dentro da cabine de comando do vôo TG311, quando o o comandante dá uma ordem para seu primeiro oficial:

Area: Controle da terminal de Kathmandu
KTM: Torre do aeroporto de Kathmandu
Cap: Comandante do vôo 311
F/O: Primeiro Oficial do vôo 311

Cap: Speedbrake armado, selecione flaps 15.

O co-piloto obedece e aciona a alavanca do flap. Vinte e cinco segundos depois, um alarme soa na cabine do A310: os flaps não foram estendidos. O co-piloto tentou então por diversas vezes acionar os flaps, sem sucesso. Cada vez que o fazia, soava novamente o alarme. O comandante então exclama ao co-piloto.

12h29 - Cap: "Vá com calma! Não podemos prosseguir na aproximação assim. Não dá pra pousar assim."

Então o próprio comandante falou pela primeira vez com a torre:

12h29 - Cap: Torre Kathmandu, Thai 311, manteremos 10.000 pés. E estamos com problemas técnicos e temos de rumar para Calcutá. (Índia)

O Airbus estava a 13 nm DME e passando por 10.800 pés. Nesse instante, o primeiro oficial tenta mais uma vez abaixar os flaps. Desta vez, com sucesso. Antes que a torre transmita sua resposta, o comandante do vôo 311 envia outra mensagem:

Cap: Torre Kathmandu, Thai 311, retificamos o problema, gostaríamos de retomar a aproximação Sierra.

Trabalhando apenas seguindo os procedimentos usuais de navegação, sem radar para observar a real posição do Thai, o controlador da torre acedeu ao pedido.

KTM: Ok, Thai 311, reporte 10 nm DME, livrando 9.500 pés.
F/O: Torre Kathmandu, não podemos pousar agora. ós temos que... Que... Retornar com curva à esquerda para o VOR Romeo e reiniciar nossa aproximação.
KTM: Certo, confirme sua posição e distância DME?
F/O: 9 DME, 10,500 pés, podemos iniciar curva à esquerda agora?

A torre não responde. O comandante, ansioso, comenta em voz alta:

Cap: Vamos, responda... Responda!

Já era tarde demais para iniciar a aproximação. O primeiro oficial, preocupado, comenta com o comandante:

F/O: Já passamos a MSA (Minimum Safe Altitude)? Dá pra ver que aqui na direita estamos livre de obstáculos. Aí do seu lado também, comandante?
Cap: Aqui está livre.

Então, o comandante chama a torre mais uma vez:

F/O:Controle, Thai 311. Podemos iniciar curva à esquerda?

A resposta da torre mostra que o controlador não tinha certeza quanto à posição do Thai. Tanto que além de não autorizar, respondeu erroneamente a indicação de distância:

KTM: Ok Thai 311, reporte 16 DME, livrando 11,500 para a aproximação Sierra, pista 02.

Resignado, o comandante comentou com o primeiro oficial:

Cap: Não dá mais para prosseguir. Vamos subir em frente. Avise o controle.
F/O: Thai 311 reportará 10 DME, 11,500.

O comandante instrui então ao primeiro oficial:

Cap: Suba! Continue a subir!

A aeronave iniciou curva à direita, saindo da proa 015 onde se encontrava. O primeiro oficial selecionou flaps e slats na posição cruise, ou seja, tudo em cima. A seguir, o comandante enviou outra mensagem:

Cap: Thai 311, estamos subindo para 18.000 pés para reiniciar nossa aproximação.
KTM: Thai 311, mantenha 11.500 pés, há tráfego à sua frente. Mantenha 11.500 por enquanto.
F/O: Ah, Thai 311 passando 13,500, podemos manter 13.000 pés?

Um vôo da Royal Nepal, o RA206 procedente de Nova Delhi, estava nas imediações. O controle de solo então mudou as instruções para o Thai 311.

KTM: Thai 311, mantenha 11.500 pés, há tráfego à sua frente, RA206, descendo do nível 150. Mantenha 11.500.
F/O: Ok, Thai vai descer e manter 11.500 pés.

As 12h38, o comandante chamou a torre para certificar-se da posição do vôo RA206 e obteve a informação que o 757 da Royal Nepal estimava o fixo Simara as 12h42.

Cap: Ok descendo para 11,500 pes, 9 DME de Kathmandu.
KTM: Confirme que irá prosseguir para Romeo para iniciar a aproximação?
Cap: Afirmativo! Afirnativo!
KTM: Certo.
Cap: Podemos prosseguir para Romeo agora?
KTM: Prossiga para Romeo e contacte o centro Kathmandu em 126.5.
Cap: Thai 311 prossegue para Romeo e chamará 126.5.

Eram 12h39. O Airbus havia descrito uma suave curva para a direita, completando 360º e agora voando na proa 025. O comandante chamou então o controle de Kathmandu. Informou que iria reininciar a aproximação, que voava a 11.500 pés e que iria voar na proa do VOR Romeo.

Area: Prossiga para Romeo, mantendo 11.500 pés.

Nesse momento, o primeiro oficial digitou o código do VOR Romeo no teclado de comando do FMS (Flight Management System), o computador de bordo que executa a navegação da aeronave. O Airbus continuava na proa 025, naquele instante passando duas milhas a oeste do VOR Romeo. A tripulação do Thai 311 estava perdida e não sabia. O controle de área de Kathmandu solicitou a posição DME e o comandante reportou "5 milhas," sem ter noção que estava 5 milhas náuticas ao norte do VOR, e não a sul, que é onde imaginava estar. Alguns minutos se passam e pela gravação da conversa na cabine, fica evidente a dificuldade em encontrar o fixo Romeo, que ficava cada vez mais para trás. O A310 rumava diretamente para o maciço do Himalaia, obscurecido pelas nuvens, voando às cegas, no rumo norte. O comandante, impaciente, dirigiu-se ríspidamente ao seu primeiro oficial:

Cap: Dá para achar Romeo para mim?
F/O: Ok, está indicando direto... Radial 220... 16 DME. Espere, vou seguir a linha... Aí, entrou direto.
Cap: Espere, espere. Nós temos de fazer uma curva e voltar, certo? Vamos voltar? Dá pra você digitar Romeo direto?
F/O: Entrou Simara (NDB) de novo.
Cap: Vamos voltar para o ponto inicial da aproximação, ok? Dá pra você digitar Romeo direto? Digite Romeo novamente!

Area: Thai, informe altitude e distância DME?
Cap: Estamos a 11.500, a 14 DME, controle.
Area: Thai 311, reporte sobre Romeo.
Cap: Reportará sobre Romeo, Thai 311.

O primeiro oficial continua a digitar os fixos no FMS e continua tendo problemas para conseguir a proa desejada. Ele comenta com seu comandante, já impaciente com o desempenho de seu subordinado.

F/O: Bom, se dessa vez falhar para entrar...
Cap: Transfira isso para o meu lado.

O comandante assume o trabalho de programar o FMS para a navegação até Romeo.

F/O: Eu já transferi, mas não entrou. Continuou a falhar. Ah, agora sim.

Eram 12h43. O comandante começou a digitar os pontos de navegação. Nesse instante, ele também ouviu pelo rádio a transmissão do controle de área para o vôo RA 206, dando conta da visibilidade sobre o aeroporto. O comandante então chamou o controle.

Cap: Controle Kathmandu, Thai 311 solicita condições de visibilidade.
Area: Thai 311, aguarde para condições.

Eram extamente 12h44:50. Nesse instante, o primeiro oficial exclama alarmado:

F/O: Ei! Nós estamos indo para o norte! Estamos indo para o norte!
Cap: Calma. Nós já vamos iniciar o retorno!

Três segundos depois, o comandante chama o controle:

Cap: Thai 311, solicita curva à direita em direção ao aeroporto.

Passavam alguns segundos das 12h45. No instante seguinte à essa transmissão, soa o alarme do GPWS, (Ground-Proximity Warning System), que é disparado automaticamente se a aeronave aproxima-se inadvertidamente do terreno. A gravação entra em alto volume pelos alto-falantes da cabine de comando e continua soando:

Terrain! Terrain! Whoop! Whoop! Pull Up! Pull Up!

A aeronave estava agora apenas 2.450 pés acima do terreno. Restavam apenas mais seis segundos para o abrupto fim do vôo TG311. Sobre a cacofonia da gravação, o comandante fala alto, mas sem aparentar nervosismo:

Cap: Mudança de nível, vamos subir.

Imediatamente, ele aplica potência aos motores. O primeiro oficial, no entanto, não está nada calmo. Num tom de voz agudo, visivelmente alarmado, dirige-se ao comandante:

F/O: Vamos voltar! Vamos voltar!
Cap: Calma. A indicação (de proximidade de terreno) é falsa. a indicação é falsa.

Com o GPWS ainda soando na cabine, o CVR (Cockpit Voice Recorder) registra os últimos segundos do vôo TG311. Em meio às nuvens, surge repentinamente o paredão de pedra bem à frente do Airbus. Um dos tripulantes exclama algo que não pode ser compreendido pelos analistas que decodificaram a caixa-preta. O outro tripulante, no entanto, deixou registrado para a eternidade a última frase proferida a bordo do Airbus:

Oh meu Deus!

Dois segundos depois, 120.959 kg da aeronave e seus 111 ocupantes colidiram, a 444 km por hora, contra o paredão praticamente vertical de rocha pura. A destruição foi absoluta e a morte de todos os ocupantes, instantânea. Uma chuva de pequenos fragmentos espalhou-se por centenas de metros montanha abaixo, até cair no sopé da montanha, situado a 8.000 pés de altura, quase mil metros abaixo do ponto de impacto. O ponto mais alto do pico onde o Airbus colidiu tem quase 5.000m de altura. A colisão deu-se a 3.500 metros de altura e a destruição foi de tal magnitude que mal foi possível identificar partes da aeronave. Os maiores pedaços encontrados mal passavam de pouco mais de um metro de comprimento.

A análise posterior e o inquérito instaurado estabeleceram que o principal fator que levou à tragédia foi a desorientação de navegação da tripulação, em especial do comandante do voo TG 311. A análise dos fatos deixou claro que o comandante acreditava estar voando por todo o tempo ao sul do aeroporto, próximo ao VOR Romeo, a 41 milhas náuticas da cabeceira da pista 02, quando na verdade a aeronave esteve circulando praticamente sobre o VOR Sierra, distante apenas 10 milhas náuticas ao sul do aeroporto. Confundir o VOR Romeo com o VOR Sierra foi o erro final e fatal do comandante.

Corrobora essa tese o fato do comandante ter respondido calmamente ao primeiro oficial, segundos antes do impacto. Segundo ele, o Airbus "já iria iniciar o retorno." E no momento seguinte, também calmamente, o comandante solicitou ao controle que autorizasse uma "curva à direita em direção ao aeroporto." Esse é o procedimento correto em Kathmandu no caso de aproximação perdida: curva a direita a 10.000 pés de altitude. O comandante achava que estava praticamente na vertical do aeroporto quando, de fato, estava a quase 45 km ao norte da pista.

O relatório final sobre o acidente apontou a pane do acionamento dos flaps da aeronave como fator que deflagrou a tragédia. Não tivesse a falha acontecido naquele instante e provavelmente a tragédia do Thai 311 não teria ocorrido. Como fatores contribuintes, está a falta absoluta de clareza na comunicação entre e a aeronave e o solo. Leitura errôneas, perguntas não respondidas, a falta total de clareza na troca de mensagens agravou ainda mais a desorientação do comandante, que o tempo todo confundiu o VOR Romeo com o VOR Sierra. Esse erro passou desapercebido tanto pelo primeiro oficial como pelo controle de solo. Que, ademais, desprovido de radar, não poderia mesmo precisar a real posição do Airbus.

Outro fator contribuinte é a topografia do local. A aproximação Sierra para a pista 02 tem de vencer um obstáculo natural: uma cadeia de montanhas intermediária, primeiro contraforte dos Himalaias, que está situada a 8 milhas náuticas da cabeceira 02. Com mais de 2.300m de altura, essa cadeia obriga as aproximações para a pista 02 a seguir uma razão média de planeio de 6º, praticamente o dobro do que é norma na aviação. A necessidade da aderência estrita às MDAs (Mimimum Descent Altitudes) é outro fator: as aproximações para Kathmandu precisam ser estritamente seguidas e perfeitamente executadas, pois o aeroporto está cercado de elevações em todos os setores.

Fica mais difícil entender essa tragédia em face da experiência do comandante. Com 13.250 horas de vôo no momento da tragédia, ele comandava jatos Airbus desde 1989 e era instrutor nos A300 e A310 da companhia desde janeiro de 1992. Havia voado para Kathmandu nada menos que 24 vezes nos 16 meses que antecederam o desastre. Ou seja, conhecia muito bem os estritos procedimentos de aproximação para a capital nepalesa. Ao seu lado, o primeiro oficial era até mais experiente que o próprio comandante. Possuía 14.600 horas de vôos sem qualquer incidente ou acidente, embora tivesse sido reprovado ao tentar sua promoção para comando. Assim mesmo, era respeitado pelos colegas e tido como um ótimo primeiro oficial.

Que lições encerra esta tragédia com o Thai 311? A primeira é que assumir em aviação de nada vale. O certo é verificar e confirmar qualquer informação. O comandante assumiu sua posição o tempo todo, com o resultado trágico que vimos. Por fim, outra lição preciosa: em aviação, a aderência aos procedimentos tem de ser cega, total e constante. Tivessem o comandante, o primeiro oficial e mesmo os controladores de solo aderido a tudo o que aprenderam e certamente o voo TG311 teria chegado ao seu destino, naquela tarde trágica de 1992, em total segurança.

Fotos da Tragédia do TG 311

Thai Airways 311 acidente

Flight 311 Thai Airways Crash

Tragédia no Himalaia

Acidentes e Desastres Aéreos do Jetsite


Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário