Golden Falcon down! A Tragédia do Eastern 375

Relato de tragédia aérea da Blackbox do Jetsite

A tarde de terça-feira, 4 de outubro de 1960, ia chegando ao fim. Um sol maravilhoso fazia deste um dos últimos dias quentes de outono e banhava o aeroporto de Logan, que serve esta histórica cidade do noroeste dos Estados Unidos e está localizado em meio à região alagadiça da baía de Winthrop. Com uma temperatura na casa de perfeitos 22 graus e nenhuma nuvem no céu, aquele era um dia simplesmente perfeito para voar. Somente com o final da tarde se aproximando - o por do sol seria as 18h21 - é que uma leve brisa marítima começava a deixar o ar mais um pouquinho mais fresco.




Passava pouco das 17h15 quando a família Abate decidiu subir para o terraço do aeroporto. Minutos antes, haviam se despedido de seu filho Frederick, 18 anos, que embarcaria no voo 375 da Eastern. O jovem havia se recrutado no exército e esta seria a viagem que o levaria para o quartel de Parris Island, Carolina do Sul, onde iria iniciar seus treinamentos. Junto com ele, viajavam outros 14 recrutas, todos da região de Boston, embarcando em uma nova etapa em suas vidas.

Os Abate, ao chegar no terraço notaram, para sua surpresa, que eram os únicos na extensa área reservada à observação de aviões. Naquela época, todo aeroporto tinha um terraço aberto. A aviação ainda encantava a todos e era vista como uma profissão nobre e desejável. Família inteiras passavam os fins de semana a acompanhar o movimento de aeronaves desde os saudosos "terracinhos" em todo o mundo e o aeroporto de Logan não era exceção.

A mãe de Freddie ficou satisfeita ao perceber que o avião que levaria seu filho estava posicionado bem em frente ao terminal. Estacionado perfeitamente de lado em relação ao terraço, era possível acompanhar de camarote o processo de embarque. Naquela tarde, o voo 375 era operado por um novíssimo Lockheed L-188 Electra. As escalas programadas eram Filadélfia; Charlotte, na Carolina do Norte; Greenville, na Carolina do Sul e finalmente Atlanta, Geórgia. Matriculada N5533, aquela era uma aeronave nova. Entregue pelo fabricante em 8/6/1959, contava com apenas 3.561 horas de voo e havia voado por apenas 5 horas após passar por uma completa revisão. E, ainda que os Electra contassem com uma péssima reputação nos Estados Unidos, em função de quatro acidentes graves enfrentados desde sua introdução em serviço em 1959, aquela aeronave era um avião moderníssimo para os padrões da época. Alem de avançado, era veloz, confortável e, depois de extensas modificações no projeto original, incorporadas após descobertas as causas de dois destes desastres, era uma aeronave segura sim senhor.

Tragédia no Voo 375 da Eastern
Lockheed L-188 Electra da Eastern

Para os Abate, que não tinham ligação maior com aviação, aquele era apenas o "avião do Freddie", a aeronave que iria levar o filho mais velho para os braços de Tio Sam. Como tantos jovens daquela geração, Freddie sentia que era preciso servir às Forças Armadas de seu país, à época metido até o pescoço na Guerra Fria contra a União Soviética.

O jovem e magricelo recruta, trajando uniforme militar, foi o último a embarcar no Electra, depois de ter ajudado uma anciã a subir a bordo, por uma das duas escadas telescópicas e embutidas na fuselagem, que o Electra trazia como equipamento padrão. Elas eram acionadas eletricamente e, uma vez dobradas, recolhiam-se sob as portas principais. Esta solução permitia ao Electra servir aeroportos pequenos, com poucos recursos de apoio de solo, e eram extremamente populares entre as companhias aéreas.

As portas foram finalmente fechadas e a família Abate concentrou-se em tentar avistar o jovem Frederick Nino Abate, seu nome completo de batismo. Para satisfação de sua mãe, Freddie sentou-se em uma das poltronas nas janelas. Seu rosto magro e sorridente agora era perfeitamente visível desde o terraço, graças às enormes janelas que eram um das marcas registradas dos Electra. Pat Connelly, sua jovem namorada, não escondia suas lágrimas. Trocaram acenos de despedida. Não poderiam imaginar que aquela seria de fato, a última despedida.

Tragédia do Voo 375 da Eastern

Passava pouco das 17h30 quando o comandante Curtis W. Fitts, um dos mais experientes profissionais da Eastern, iniciou o processo de girar motores. Fitts, 59 anos, mais de 23 mil horas de voo e 1.100 delas passadas no comando do Electra, era um piloto natural. Calmo, comprovadamente muito capaz, era estimado e respeitado por seus pares. Naquela tarde, a tripulação do voo 375 era completada pelo primeiro oficial Martin J. Colloway, igualmente tarimbado, e pelo engenheiro de voo Malcolm Hall, outro profissional respeitado pelos colegas. A cuidar dos 67 passageiros, duas jovens comissárias: Joan Berry 23 anos, e Patrícia Davies, 22 anos. Eles levariam o Electra por toda a costa leste, de norte a sul, até o destino final, Atlanta. Mais um voo corriqueiro para este time de profissionais, todos eles nascidos e criados no sul e sudeste dos Estados Unidos.

Os motores Allison 501 D-13 de número 3 e 4, ambos na asa direita, foram os primeiros a serem acionados. Com os dois motores girando normalmente, os equipamentos de solo (gerador de energia e compressor de ar) finalmente foram desconectados, permitindo que os motores 1 e 2, postados na asa esquerda, ganhassem vida.

Eram 17h33. Na cabine, o comandante Fitts acionou o microfone e chamou o controle, com uma frase curta e direta:

EA 375 Cap: Torre, Eastern 375, IFR para Filadélfia.

O controle de solo respondeu:

Solo BOS: Eastern 375, liberado para Filadélfia, pista 09, vento sudoeste com 10 nós.

Após liberar o táxi de um voo da TWA, o controlador da frequência de solo instruiu o Eastern 375 a passar para a frequência da torre de controle.

As 17h35, com as rotações dos motores estabilizadas, o comandante Fitts desligou o freio de estacionamento e empurrou levemente os manetes adiante, iniciando o táxi. A enorme potencia dos quatro Allison, mesmo em regime de marcha lenta, já era capaz de movimentar o Electra pelo pátio. O quadrimotor saiu fazendo uma curva a direita, levando seus 72 ocupantes (cinco tripulantes e sessenta e sete passageiros) rumo à pista 9. Naquela operação, a aeronave pesava pouco mais de 44.450 kg, bem abaixo do peso máximo de decolagem do tipo, certificado para decolar com 51.260kg. Deste total, 11.290kg eram combustível.

Autorizado a prosseguir para a cabeceira 09, após decolar o Eastern 375 deveria prosseguir no rumo leste e voaria por cerca de dois minutos nesta proa até 3 mil pés. Então iniciaria uma curva de quase 150 graus e voaria na proa sudoeste, ideal para chegar a Filadélfia, distante 450km de Boston, onde chegaria depois de 90 minutos de voo.

O Electra ia chegando próximo à cabeceira da pista 9 e o comandante Fitts informou pelo rádio que estava pronto para decolar. A torre respondeu que ele procedesse até a cabeceira e aguardasse alinhado no eixo da pista.

Naquele momento, havia pouco tráfego. Um par de caças F-86 Sabre havia partido minutos antes, seus motores a jato puro ainda trovejando na tarde cristalina. Logo depois, havia sido a vez do TWA decolar. Um Aero Commander voava na perna base para pouso na pista 09, o que levou o controle a autorizar o voo 375 para partir sem perda de tempo.

BOS TWR: Eastern 375, autorizado decolagem imediata, pista 9.

O comandante Fitts não perdeu tempo e simplesmente comunicou ao controle:

EA 375 Cap: Eastern 375, rolando.

Eram 17h39. Esta seria a última comunicação do Electra com a torre. E as últimas palavras gravadas de Curtis W. Fitts.

Naquele exato instante, desde o terraço, a família Abate acompanhava a gradual aceleração do Electra, que ia ganhando velocidade e levando consigo seu amado filho mais velho. A mãe de Freddie, particularmente, não desgrudava os olhos daquele avião azul, branco, vermelho e dourado, ostentando a elaboradíssima pintura da Eastern, tão comum à época.

O sol já estava bastante próximo do horizonte e despejava sua luz dourada bem por trás do Electra, praticamente no alinhamento da pista 09. Era como se um produtor de cinema tivesse sido encarregado com a missão de posicionar o sol na localização ideal para que os pilotos do Eastern 375 pudessem ver perfeitamente a pista e os arredores do aeroporto de Logan. Portanto, a condição de visibilidade, naquela tarde de ar diáfano, era absolutamente perfeita: nada menos que 15 milhas.

A Sra. Abate observava atentamente a partida do Electra, em meio aos acenos, risos e piadas de seus familiares. Afinal, "aquele" avião estava tirando o "seu" Freddie dela. Coração de mãe é sempre diferente e sabe e percebe coisas insondáveis. Em estado de atenção absoluta, a emoção tomou conta dela. Era a primeira vez que Freddie voava, que viajava sozinho, que se ausentaria da família por período prolongado e, ainda mais, alistando-se no serviço militar. Que mãe não ficaria emocionada com todos estes acontecimentos ocorrendo simultaneamente?

Depois de percorrer aproximadamente 800 metros de pista, o Electra ultrapassou sua V-R de 139 nós e o comandante Fitts puxou suavemente o manche. O quadrimotor da Lockheed ganhou os ares normalmente e a seguir, Fitts comandou o recolhimento dos trens.

Neste momento, os olhos fixos de da mãe de Freddie notaram algo diferente: uma pequena nuvem de fumaça branca, como um "puff", desprendendo-se de um dos motores. Uma chama brilhante surgiu e apagou-se rapidamente, aparentemente próxima dos motores. Então surgiu outra chama, seguida de ruídos que pareciam pequenas explosões, que começaram a pipocar em rápida sucessão, originários de ambos os motores da asa esquerda. O Electra agora deixava nitidamente um espesso rastro de fumaça preta, ao mesmo tempo que começava a balançar as asas, voando de forma nitidamente instável.

A Sra. Abate, paralisada pela cena, permaneceu com os olhos vidrados, a respiração suspensa. Aquilo não poderia ser normal. E não era mesmo. O Electra começou flagrantemente a perder altitude, ao mesmo tempo que seu nariz subia para cima da linha do horizonte, de forma súbita e grotesca. A asa direita desceu repentinamente, o nariz do Electra ergue-se ainda mais. Num rápido movimento, a asa direita ergue-se, passou do linha do horizonte e então foi a vez da asa esquerda afundar. A seguir, a aeronave executou uma reversão, virando de dorso, seu nariz apontado verticalmente para as águas da baía Winthrop. As 17h40, apenas setenta e três segundos apos a liberação dos freios na cabeceira da pista 09, o nariz do Electra N5533 colidiu violentamente com a água, em um ponto onde a profundidade era de apenas 10 metros. A fuselagem, caindo sobre si mesma, enterrou-se de modo telescópico no leito do oceano. Foi uma pancada devastadora, a ponto de cavar uma cratera de 3 metros de profundidade no leito lamacento da baía.

No terraço do aeroporto de Logan, os Abate ficaram completamente mudos, atônitos, incrédulos com o que acabavam de presenciar. O ruído dos quatro motores do Electra cessara por completo. Um silêncio quase absoluto, surreal, tomava conta do aeroporto. Os risos, os gritos de adeus, as brincadeiras que até segundos antes animavam o espírito da família Abate, passaram inicialmente do silêncio absoluto do choque e, então, ao soluçar do pranto dos pais, irmãos, amigos e da namorada de Frederick Nino Abate.

Este silêncio mortal logo seria interrompido pelo alarido de dezenas de sirenes e buzinas dos caminhões de resgate e de combate ao fogo, que acorreram para a cabeceira oposta e lá ficaram imóveis, inicialmente acompanhando, impotentes, a dramática cena no meio da baía: destroços flutuantes, uma enorme parte da cauda, ainda flutuando, e uma imensa mancha de combustível e óleo que se formava e marcava o ponto onde o Electra e seus 72 ocupantes agora se encontravam.

Desde sua aeronave que circulava ao campo para pousar, os ocupantes do Aero Commander puderam acompanhar todo o drama do voo 375. Logo chamaram a torre para comunicar o que haviam acabado de testemunhar:

17h41: Aero Commander: Torre Logan! O Electra acaba de cair na água!

Um longo silêncio seguiu-se, até que a torre respondeu.

BOS TWR: Sim, nós vimos. Já acionamos o equipamento de emergência.

O resgate do Voo Eastern 375

As dezenas de testemunhas, ainda que tenham visto de ângulo diferentes, tivessem idades, nível de experiência e conhecimento sobre aviação totalmente díspares, concordaram em um ponto fundamental: a severidade da colisão coma água. O Electra mergulhou invertido, praticamente na vertical, levantando uma enorme coluna de água. Seria praticamente impossível encontrar alguém vivo em circunstâncias como aquela. Mas, para a surpresa de todos, segundos depois do impacto com o oceano, tão logo a violenta e enorme coluna de água provocada pela queda dissipou-se, as dezenas de testemunhas posicionadas nas casas, barcos, ancoradouros e ruas próximas à baía Winthrop começaram a ver algo tão inesperado quanto surpreendente: cabeças e troncos dos ocupantes do Electra começaram a ser visíveis entre as partes do avião que ainda flutuavam. Aumentando ainda mais a surpresa e agora aflição, algumas destas pessoas começaram a acenar e gritar por socorro. Havia sobreviventes!

Imediatamente, dezenas de pessoas colocaram-se em ação, por livre e espontânea vontade. Tomaram o que tivessem às mãos, barcos, botes infláveis, lanchas, até um veleiro e zarparam a toda velocidade rumo ao local da queda. Os primeiros a chegar encontraram uma cena devastadora. Entre a enorme mancha de óleo e querosene, corpos e pedaços de corpos começavam a flutuar entre partes da aeronave. E, milagrosamente, alguns passageiros agarravam-se aos destroços, ou debatiam-se na água, pedindo por socorro. Dentre os sobreviventes, as duas comissárias, Patrícia e Joan, debatiam-se para permanecer acima da combinação pegajosa e sufocante de óleo, querosene e fluido hidráulico que se misturavam sobre a água salgada provocavam sufocamento e irritação nas feridas expostas. Todos os sobreviventes resgatados apresentavam profundos cortes no rosto e sinais de traumatismo severo em suas cabeças. Quase todos sangravam abundantemente.

Os moradores da baía de Winthrop foram heroicos: atiraram-se nas águas geladas e ajudavam como podiam, tentando agarrar os sobreviventes e colocá-los a bordo de suas pequenas embarcações. No entanto, cobertos de óleo e combustível, muitas vezes não era possível segurá-los e trazê-los a bordo: eles simplesmente escorregavam das mãos de seus salvadores. Alguns tiveram que ser puxados por cordas até as margens, onde outros voluntários - socorristas, policiais e bombeiros - ofereceram os primeiros socorros.

A noite fechava-se rápido sobre a baía de Winthrop. Logo, a escuridão era um obstáculo adicional para prejudicar a desesperada busca por sobreviventes, daquele que foi o primeiro acidente fatal em Logan. Por volta da meia-noite, os trabalhos foram interrompidos. Já fazia muito tempo desde que algum sobrevivente havia sido resgatado. A tarefa agora era outra: encontrar os corpos da dezenas de mortos, muito dos quais jaziam presos às ferragens da fuselagem submersa.

A investigação da Tragédia com o Eastern 375

Na manhã seguinte, o trabalho de resgate de corpos e destroços foi reiniciado. Ao mesmo tempo, os investigadores retomaram a tomada de evidências. A pergunta que todos faziam era: o que teria acontecido de tão inesperado, tão trágico, para os infelizes ocupantes do Eastern 375, durante aqueles 73 segundos de voo?

A primeira pista conclusiva foi descoberta na manhã seguinte, quando o sol voltou a raiar sobre Boston. A pista 9, fechada desde o acidente, foi percorrida pelos investigadores. Para surpresa geral, próximo da intersecção com a pista 15, de onde haviam partido os F-86 Sabre - e aproximadamente no ponto onde o Electra começou a levantar o nariz - dezenas de carcaças mutiladas de pássaros foram encontradas.

Ornitólogos e especialistas forenses foram chamados e logo determinaram que, ainda que algumas das carcaças estivessem mortas há alguns dias, a maioria tinha ainda alimentos em seus estômagos, o que indica que haviam morrido minutos depois de se alimentar, certamente no dia da colisão. O quebra-cabeças começava a ser montado.

Outro fato que acabaria sendo determinado dizia respeito à hora da operação. No exato momento da decolagem do voo 375, por um capricho do destino, a maré atingiu seu ponto mais baixo, deixando expostas enormes áreas de mangue, ricas em vida e uma "praça de alimentação" por excelência para a fauna aviária. Com o dia chegando ao fim, aquela era a hora perfeita para milhares de pássaros fazerem sua refeição do dia antes de procurarem abrigo para passar a noite.

Com o constante movimento das marés, a região onde está situado o aeroporto é, portanto, um chamariz natural para as dezenas de espécies locais e um convidativo ponto de passagem para as espécies de aves migratórias. Para azar dos ocupantes do voo 375, dentre as aves que voavam na região, naquele exato instante, encontrava-se um enorme bando (depois estimado) entre 10 mil e 20 mil estorninhos.

Acidentes e Desastres Aéreos


O estorninho-comum (Sturnus vulgaris), é um pássaro da família dos esturnídeos, nativo da Eurásia e introduzido na América do Norte artificialmente, através da mão do homem. É de comportamento gregário e voa em bandos compactos, de até 80 mil indivíduos. Uma característica do voo em bando é que executam interessantes evoluções, mudando rapidamente de direção, tal como um cardume de peixes. Com frequência, após a época de reprodução, os estorninhos propiciam esse espetáculo tanto no campo como próximo das grandes cidades. E dos mais movimentados aeroportos.

Starling Eastern 375 Flight

Starling Eastern 375 Flight


Os investigadores começavam a apontar para o principal suspeito: a colisão do Electra com milhares de estorninhos. Faltava a prova cabal. Nas semanas seguintes, os quatro motores foram recuperados do fundo do mar. Exames baroscópicos de seus interiores comprovaram a causa do desastre: a ingestão pelas turbinas de dezenas de pássaros. Um Electra de 52 toneladas de peso havia sido derrubado por pássaros cujo peso individual mal passava de 75 gramas.

Os investigadores reconstituíram a sequência de acontecimentos. Tudo ocorreu de forma incrivelmente rápida. Com apenas vinte e seis segundos transcorridos desde o início da rolagem, e com apenas sete segundos desde que as rodas saíram do chã, um bando estimado entre 10 e 20 mil estorninhos que atravessava a pista naquele momento, cruzando o eixo da pista da esquerda para a direita, colidiu com o Electra. O enorme volume de pássaros ingeridos, fez com que as aves sugadas começassem a interromper o delicadíssimo balanço da entrada de ar com a injeção de combustível, bem como impactaram as palhetas das turbinas dos motores 1, 2 e 4 do Electra.

O motor número 1 foi o mais afetado pela ingestão de pássaros e deixou de gerar potência por completo. O número 2 perdeu potência por um período estimado entre 5 e 8 segundos. O motor número 3 falhou por dois segundos - pouco tempo, é certo, mas o suficiente para desligar o sistema elétrico e desligar sistemas vitais para a pilotagem do avião, inclusive o sistema de bombas hidráulicas que alimentavam o servo de assistência hidráulica de controle do manche (power steering). Fitts teve de usar apenas a força bruta para tentar equilibrar a errática atitude do avião. Para piorar a situação, quando o sistema voltou a funcionar, dois segundos depois, o resultado foi uma supercompensação da aeronave, desestabilizando-a ainda mais. Finalmente, o motor 4 falhou por um período estimado entre seis e oito segundos. Para complicar, logo depois, os motores 2, 3 e 4 voltaram a produzir praticamente 100% de potência, ou seja, o Electra acelerava em relação ao oceano. O motor 1 permaneceria apagado desde a ingestão dos pássaros. O sistema de embandeiramento automático dos hélices (auto-feather) entrou em operação conforme previsto, logo após a ingestão dos pássaros e conseqüente estol das turbinas.

Com a potência afetada de forma irregular, o quadrimotor não apenas perdeu empuxo como começou a enfrentar um quadro de desestabilização, conhecido como empuxo assimétrico. Com os dois motores do lado esquerdo mais comprometidos, o Electra começou a derrapar para este lado: a asa esquerda deixou de prover sustentação suficiente para a continuidade do voo. A aeronave chegou a atingir somente 285 pés de altitude, pouco mais de 86 metros sobre o solo, antes de começar a afundar em direção à baía de Winthrop.

Desprovido de caixas pretas - estes equipamentos ainda não eram obrigatórios àquela época - podemos apenas imaginar a tensão e a surpresa que tomou conta do comandante Fitts e de sua tripulação. O avião não acelerava mais, não mais ganhava altitude a agora uma de suas asas perdia sustentação. As testemunhas foram categóricas ao afirmar que notaram as tentativas do piloto em estabilizar o avião: as asas balançavam de um lado a outro. Sem obter potência para garantir a sustentação mínima, a velocidade do Electra despencou, até o ponto em que a aeronave entrou em estol, provocando uma manobra súbita e nada graciosa, uma mudança dramática de rumo e prumo. Tal como abruptas são as mudanças de trajetória de um bando de estorninhos.

Em uma fração de segundos, o nariz do Electra subiu pelo menos 15 graus acima da linha do horizonte. E depois, elevou-se ainda mais rapidamente, quando a velocidade horizontal chegou a zero. A asa esquerda deixou de sustentar a aeronave e despencou, fazendo com que o Electra virasse de dorso e mergulhasse rumo à baía. Sem praticamente nenhuma altitude em relação ao nível do mar (estima-se que neste ponto, o Electra estivesse apenas 40 metros acima da água), uma manobra de recuperação mostrou-se impossível.

Em depoimentos prestados aos investigadores nas semanas posteriores ao desastre, os membros da família Abate afirmaram que neste exato momento, desde o terraço puderam ver perfeitamente a parte superior do avião, na medida em que o nariz da aeronave agora apontava em direção à baía Winthrop.

As investigações comprovaram o quão demolidor foi o impacto com a água. A desaceleração instantânea provocou uma força de 60G, ou sessenta vezes a força da gravidade. A estrutura do avião simplesmente desintegrou-se em uma fração de segundo. Com exceção de dois, todos os assentos se desprenderam do piso da aeronave, amontoando-se na parte frontal do charuto da fuselagem e esmagando quase todos os ocupantes. Dos corpos que puderam ser resgatados, os patologistas diagnosticaram morte por politraumatismos ou, pior, por afogamento. O número de sobreviventes poderia ter sido muito maior se as poltronas não tivessem se desprendido de suas fixações no piso da cabine. A parte dianteira da fuselagem, esmigalhada, nada mais era do que um enorme emaranhado de fios, metal rasgado, cabos, dutos, poltronas, espuma, borracha e seres humanos - ou o que restava deles. Somados todos os fatores, a comissão de investigação determinou que aquele era um acidente sem chance de sobrevivência.

Até por esta razão, este viria a ser um acidente fadado a entrar para os anais da aviação. E por diversos motivos.

Em primeiro lugar, porque aquele era o primeiro grande acidente aéreo causado pelo perigo aviário - a colisão com aves. Não seria o último, nem potencialmente o mais devastador. Mas era certamente o primeiro grande acidente com vítimas fatais envolvendo uma aeronave comercial de grande porte nos Estados Unidos.

Em segundo lugar, porque, apesar do veredicto dos investigadores apontar para um acidente sem possibilidade de haver sobreviventes - classificado oficialmente como "non-survivable", nada menos que 10 ocupantes acabariam por sobreviver. Entre eles, as duas comissárias, Patrícia e Joan, e mais oito passageiros. O primeiro-oficial Martin Colloway chegou a ser resgatado com vida, mas morreu a bordo de uma dos barcos que participou do resgate.

Outro fator que tornou este acidente fundamental na história da aviação foi a análise feita pelo desprendimento das poltronas de suas fixações. Até esta época, os assentos eram certificados para suportar desacelerações de 6 a 9 G, ou de seis a nove vezes a força da gravidade. Com base no inquérito deste acidente, e de outros ocorridos com forte desaceleração, a indústria evoluiu para o padrão de segurança atual. Hoje, um novo avião só é certificado para transportar passageiros se suas poltronas suportarem uma desaceleração de 16G.

A questão que agora pairava era: teria havido inabilidade por parte da tripulação? O comandante Fitts, se tivesse agido de forma absolutamente irrepreensível teria salvado a sua vida e a dos ocupantes do Electra. Para responder a estas perguntas, o CAB reproduziu as condições do acidente em um Full Flight Simulator, o mais moderno do País àquela época. E convidou os 16 melhores pilotos de Electra dos Estados Unidos, depois e pedir às companhias aéreas que operavam o modelo colaboração nas investigações. Os 16 melhores pilotos foram levados a Miami, onde estava o simulador, e simplesmente submetidos à mesmíssima sequência de panes que sofrera o voo 375. Resultado: dos 16 pilotos testados, absolutamente nenhum conseguiu reverter a queda.

Tempos depois, mais precisamente em 26 de julho de 1962, o CAB divulgou o relatório final sobre o desastre do Eastern 375. Segundo o documento:

"A comissão determina que a causa provável deste acidente foi a seguinte: a severidade e provável ocorrência do acidente reside na única e critica sequência de eventos que ocorreram em rápida sucessão, após a ingestão de pássaros pelos motores, com consequente perda de potência, velocidade e controle durante a decolagem. A única chance seria a rápida equalização da potência nos motores e o abaixamento do nariz para recuperar a velocidade perdida - mas, devido à altitude extremamente baixa, entre 100 e 150 pés, uma recuperação seria praticamente impossível. Condições emergenciais de grande complexidade mostraram-se em um ambiente de rápida degradação nas condições de voo; a capacidade humana de percepção, reconhecimento, análise e reação à estas condições não ocorreu em velocidade suficiente para o restabelecimento de um desempenho positivo de controle da aeronave."

O fato é que naquele final de tarde, um preço elevadíssimo - 62 vidas - foi pago pela indústria da aviação comercial. A família Abate, bem como dezenas de outras, pessoalmente marcadas pela queda do "Golden Flacon Electra", bem sabem disto. Foram eles que tiveram a trágica experiência de ver seus entes queridos desaparecendo de forma súbita, trágica e difícil de aceitar.

Fotos e Informações da Tragédia do Voo Eastern 375


Eastern 375 Flight tragedy

Tragédia com voo 375 da Eastern

Eastern 375 Flight tragedy

Eastern 375 Flight tragedy

Eastern 375 Flight tragedy

https://en.wikipedia.org/wiki/Eastern_Air_Lines_Flight_375

Fonte: Este relato foi extraído do extinto site Jetsite, do grande Gianfranco "Panda" Beting, da seção Blackbox, com fins de não se deixar perder o conteúdo daquele fabuloso site, nossa principal fonte de referência no mundo da aviação nos anos 2000. O texto é do Panda, algumas fotos e vídeos colocamos a parte, para contribuir com mais dados e informações.

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